Ao passo que o velho catolicismo previa os totalmente salvos (no céu), os totalmente condenados (no inferno), os mais ou menos salvos (no purgatório) e os nem salvos nem condenados (no limbo), o protestantismo apareceu oferecendo uma simplificação binária da coisa: agora era tudo ou nada. Digo isso apenas como forma de ilustrar a natureza "intransigente" do caráter protestante, puritano, enquanto no catolicismo houve quase sempre um "mas", uma sutileza, um "veja bem". Por que, então, havia Alencar de ser exclusivamente contra ou a favor da escravidão, se como brasileiro tinha margem para rebolados retóricos e podia ser as duas coisas ao mesmo tempo? Não é que fosse a favor da escravidão; na verdade só achava que ainda não havia chegado o tempo certo de extingui-la. E isso porque, para o autor de Iracema, a maneira correta de superar a escravidão era ela continuar existindo, continuar existindo, continuar existindo, até o dia que caísse de madura, de preferência talvez no Dia de São Nunca, quando todos os negros desaparecessem assimilados à população branca. Para ele, qualquer tentativa que se fizesse contra a escravidão antes que isso acontecesse naturalmente só poderia ser uma violência arbitrária (!), de consequências muito mais nocivas ao Brasil do que benéficas. Dessa maneira Alencar conseguia, como bom católico e brasileiro exemplar, ser ao mesmo tempo contra e a favor da escravidão; ao mesmo tempo achá-la injusta e necessária; ao mesmo tempo achar que deveria acabar, mas precisava continuar. Se não até cair de madura, pelo menos até que a população branca (à época cerca de 1/10 da população cativa) alcançasse certo equilíbrio populacional, para que não corresse o risco de acabar à mercê de uma grande vingança dos negros contra os antigos senhores... Tudo isso faz de Cartas a favor da escravidão um clássico do conservadorismo brasileiro e reforça ainda mais Alencar como autor incontornável para a compreensão da nacionalidade.