19.12.23

O Inferno de Henri Barbusse


Eu só conhecia o Henri Barbusse de O fogo (1916), romance a propósito da Primeira Guerra, da qual o autor participou. Esse Inferno (1908), porém, é anterior à guerra, e me espanta muito que seja assim tão ignorado.

Nesse romance, lemos as reflexões de um homem que, chegando em Paris desde a província, descobre um buraco na parede do quarto de pensão que dá para o quarto vizinho. 

Essa descoberta eletriza o narrador que passa, então, a observar a vida verdadeira, a vida real que acontece quando homens e mulheres se trancam e não são mais vistos nem ouvidos. 

Apesar de francês, o livro não se resume apenas ao erotismo fetichista. Pelo contrário. Nessas longas e intermináveis sessões de observação, o narrador testemunha não apenas encontros amorosos clandestinos, mas também conversas literárias, reflexões filosóficas, discussões científicas, angústias existenciais.

De igual modo, o livro também é uma grande investigação sobre a natureza do romance, isto é, a relação do romancista com a vida. Porque há uma identificação muito evidente entre esse narrador que abdica da vida para observador a intimidade da vida alheia e o romancista. Inclusive, ao relatar suas visões esse narrador se transforma, automaticamente, no velho narrador tradicional, onisciente, que nos conta tudo que vê e tudo que ouve, e que no geral não sabemos como conseguiu ver e ouvir tudo. 

Para esse narrador, o ponto de vista do romancista é o ponto de vista divino, de quem olha desde fora, do alto. Mas que, como o Deus cristão que se encarna para sofrer o sofrimento dos homens, participa sofrendo com cada sofrimento e se alegrando com cada alegria testemunhados. 

O romancista abre mão de viver a sua falsa vida pública para contemplar/viver a vida verdadeira, íntima, secreta, daqueles a que observa.