9.1.22

As bem-aventuranças

No Evangelho de Lucas (6:20), a cada bem-aventurança de Jesus corresponde uma maldição à circunstância contrária: bem-aventurados os pobres/ai dos ricos; bem-aventurados os que choram/ai dos que riem; bem-aventurados os que têm fome/ai dos saciados. 

Já a redação do Evangelho de Mateus (5:1-11) elimina as maldições, ao passo que amplia o número de bem-aventuranças: felizes também os mansos, os misericordiosos, os puros etc. 

Enquanto o Jesus de Lucas fala de condições concretas – a pobreza, o choro, a fome –, o Jesus de Mateus fala de disposições internas. Em vez de abençoar o pobre, a benção é ao “pobre no espírito”; em vez de abençoar o que tem fome, a benção é ao que tem “fome de justiça”. 

Significaria isso que mesmo os ricos, os felizes e os saciados (quer dizer, os amaldiçoados de Lucas) poderiam estar entre os bem-aventurados de Mateus? 

Ora, Mateus (Levi) escrevia para a comunidade judaica. E a grande acusação de Jesus contra o judaísmo era a piedade apenas exterior. Daí que, um pouco mais adiante no texto de Mateus, ao tratar do cumprimento apenas literal dos mandamentos, Jesus acrescente que não matar não é suficiente, e que é preciso também não odiar o próximo nem ofendê-lo. 

Assim, quando o Jesus de Mateus especifica que a pobreza bem-aventurada é a pobreza “no espírito”, ele não está querendo dizer que o rico também pode ser bem-aventurado. Antes, pelo contrário, está dizendo que só a pobreza exterior já não era o bastante: Jesus exigia também a pobreza interior. Da mesma forma que a fome física precisava ser acompanhada pela fome espiritual e que a pureza corporal precisava ser motivada pela pureza do coração.