Machado começa as Memórias Póstumas de Brás Cubas manifestando consternação por Stendhal ter escrito para apenas cem leitores. Num dos prefácios a Do amor, Stendhal informa que o livro passou praticamente ignorado e que, vinte anos após a publicação em 1822, não haviam sido vendidos mais do que cem exemplares. Enquanto reafirma a validade do projeto, Stendhal especula as razões do fracasso de público: o tema (como falar de tudo que envolve a paixão amorosa a banqueiros, industriais, eruditos e pessoas preocupadas com as convenções, com o ridículo?), a abordagem ao tema (em vez de um agradável romance, escreveu um estudo, uma investigação, uma análise psicológica), a espontaneidade da escrita etc., e até projeta como seria o leitor ideal. Ora, se pensamos nos grandes romances oitocentistas – o próprio Stendhal, Balzac, Flaubert, Tolstói, Eça, Machado –, ler esse Do amor é como chegar a uma oficina e encontrar as peças espalhadas de cada uma dessas engrenagens romanescas, ainda desmontadas; ou como assistir a uma peça de teatro a partir da coxia, tendo à vista todos os ferros e papelões e gambiarras que durante o espetáculo permanecem escondidos do público. De maneira que não é inocente, como não poderia ser, a referência implícita a um tal livro logo no esforço mais metaficcional de Machado.