As quadras do persa Omar Khayyam podem ser encontradas, comumente, ou na adaptação inglesa de Edward FitzGerald — que se não foi seu primeiro divulgador no Ocidente, foi e é seu mais importante —, ou na tradução (diz-se) um pouco mais fiel de Toussaint para o francês, em versos livres. Em português, que eu já tenha visto, encontram-se na de Augusto de Campos para a versão de FitzGerald (numa recriação da recriação, para escândalo dos platônicos), — na de Octávio Tarquínio de Sousa, em prosa das mais elegantes, — e na de Manuel Bandeira, que volta às quadras, ainda que sem as rimas no esquema típico aaba. Ambos segundo Toussaint. Bem menos comentada, no entanto, é a não menos significativa tradução conjunta de Ragy Basile (orientalista, membro da Academia Brasileira de Filologia) e Christovam de Camargo. Digo não menos significativa porque, apesar do pouco prestígio e da forma aleatória, é a única para o português feita a partir do idioma de origem, o persa, e uma das poucas em geral com a preocupação de preservar não o espírito, ou a forma, mas sobretudo o conteúdo das quadras.
Arremessados a este mundo,
sentimo-nos perplexos,
desajustados, aturdidos,
perdidos em grande confusão:
trouxeram-nos à existência
contrariando nosso livre-arbítrio...
Forçados, igualmente,
partimos,
sem que, para isso,
tenha sido pedido
nosso consentimento.
Enfim,
não compreendemos —
nem o porquê da viagem
nem o motivo da nossa permanência,
nem a razão da próxima partida...
*
Exatamente
como o descuidado pássaro
que não pôde evitar a armadilha,
assim caímos na existência, —
feridos, ofegantes, atordoados,
inteiramente desorientados.
E assim temos de viver neste globo,
no qual não vejo teto, porta,
nem entrada nem saída.
Não foi por nossa livre vontade
que nele desembarcamos,
nem será pela ânsia de partir
que o deixaremos um dia.