29.5.12

Ação consciente

Não há como negar que vivemos uma época de crescente internacionalização. Os meios de transporte e comunicação anularam as distâncias e as barreiras entre as nações. Os livros circulam simultaneamente em quase todos os países, na língua original ou em traduções. As exposições internacionais de arte tendem a impor um estilo único a todos os países. Os mesmos filmes circulam, num breve espaço de tempo, por cinemas espalhados por quase todas as cidades do mundo. Diante de tais fatos seria simples demência pretender forjar um isolacionismo cultural, qualquer que fosse o pretexto. 

Mas essa intercomunicação não é apenas inevitável: ela é necessária e benéfica, na maioria de seus aspectos. Ela permite, no campo da ciência e da técnica, a aquisição de conhecimentos e a atualização cultural dos países menos desenvolvidos. Possibilita maior aproximação entre povos distantes, revelando-os uns aos outros, através da informação científica, como da narração literária e da expressão poética, teatral, cinematográfica. 

Não obstante, seria ingênuo ignorar que a literatura e a arte que importamos trazem consigo uma visão-de-mundo, uma colocação de problemas sociais ou existenciais, políticos ou filosóficos, estéticos ou religiosos que influem diretamente na formação de nossa intelectualidade. Tal influência é sempre positiva quando se exerce sobre culturas com a consistência necessária para absorver dela o que é útil, fecundo, e rejeitar o resto. Mas, nos países em formação, as influências externas tendem, muitas vezes, a agir como fator de perturbação do processo formativo, introduzindo desvios e discrepâncias que só se dão devido à fragilidade do movimento cultural implantado. 

No setor das artes plásticas, por exemplo, isso tem sido fenômeno freqüente entre nós. O movimento pictórico surgido em 22 se desenvolveu com alguma tranqüilidade até o fim da guerra, quando o isolamento involuntário do país acabou: a influência de Max Bill chamou os jovens para a arte concreta que, antes de dar seus frutos, já era substituída pelo “tachismo”, que já começa, por sua vez, a ser deslocado por um certo neo-figurativismo... Se essas mudanças tivessem sido determinadas por necessidades surgidas do trabalho dos artistas brasileiros, nada de mais. Sucede, porém, que todas essas mudanças são impostas de fora, pelas transformações operadas em Paris ou New York. Resultado: torna-se impossível aos nossos artistas, submetidos a tais injunções do mercado da arte, aprofundar qualquer experiência. Isso só será possível quando se compreender a necessidade de enfrentar criticamente o que vem de fora, para aceitá-lo ou refutá-lo. Não se trata, pois, de pretender “uma pintura nacional”; trata-se de, simplesmente, criar condições para a pintura, qualquer que seja, uma vez que ela só surgirá do aprofundamento e da continuidade da experiência. O caminho para isto é voltar-se para o que já foi feito entre nós, ou para o que, lá fora, melhor afina com a necessidade cultural interna e apoiar-se na temática que o país oferece. É preciso agir conscientemente.

GULLAR, Ferreira. Cultura e Nacionalismo. In: ________. Cultura posta em questão. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1965. 9 -11 p.