Li recentemente A letra escarlate, de Nathaniel Hawthorne, ficcionista norte-americano de extração puritana, contemporâneo ao nosso Alencar. Livro que, apesar de apresentado como romance — romance construído a partir de um documento encontrado numa das salas abandonadas da repartição na qual trabalhava e cujo conteúdo remonta aos primórdios da colonização da Nova Inglaterra —, por girar em torno de uma única personagem e seu estigma, e por ter nas edições em inglês pouco menos de 200 páginas, terminei de ler inclinado a julgá-lo mais propriamente uma novela. E, sem muitos cuidados, fiquei nisso. Até que hoje, folheando o A casa das sete torres — publicado em 1851, portanto um ano após aquele —, logo deparei, no início do curto prefácio, com as acepções que o próprio Hawthorne dava aos vocábulos em questão, — as quais, na tradução de Lígia Autran Rodrigues Pereira, são as seguintes:
Quando um escritor intitula seu trabalho de romance, visa uma certa amplitude em relação à forma e ao assunto, a que não pretenderia se fosse escrever uma novela. Essa última forma de composição tem por escopo uma minuciosa fidelidade aos fatos não só meramente possíveis mas aos prováveis e ordinários da experiência humana. O romance se reserva o direito de apresentar a verdade sob circunstâncias da escolha ou criação do autor; como obra de arte, porém, deve submeter-se a leis, e peca quando se afasta da verdade humana. O autor pode conduzir a atmosfera ambiente de modo a salientar ou arrefecer as luzes e aprofundar ou enriquecer as sombras do quadro. Sem dúvida, será prudente fazer uso moderado desses privilégios, usando o maravilhoso somente como perfume delicado e sutil e nunca como substância do prato oferecido ao público. Contudo, mesmo que despreze essa precaução, ao romancista dificilmente poderá se acusar de ter cometido um crime literário.