13.10.12

Ecos

Terá Mário de Andrade conhecido o perspectivismo de Ortega y Gasset? Melhorando a pergunta, terá Mário de Andrade lido as Meditações do Quixote, publicadas em 1914? Isso me pergunto pois não apenas encontro no trecho da carta a Drummond ecos do famoso “Eu sou eu e minha circunstância, e se não a salvo a ela não me salvo a mim”, como a variação de um mesmo argumento, qual seja, o do enriquecimento da cultura geral por parte de um povo a partir da confirmação da própria. Nela, diz Mário que “O dia em que nós formos inteiramente brasileiros”, isto é, o dia em que nos relacionarmos integralmente com nossas “necessidades imediatas práticas e espirituais”, sem tomarmos de empréstimo as de outros, a “humanidade estará rica de mais uma raça, rica duma nova combinação de qualidades humanas.” O que uns dez anos antes Ortega, tratando do caso espanhol, agravado já pelo particularismo nacionalista de bascos e catalães, no capítulo “A crítica como patriotismo”, disse dessa forma: 
Olvidamos que toda raça é, afinal, um ensaio para viver de maneira nova, experimento de nova sensibilidade. Quando a raça consegue desenvolver plenamente suas energias peculiares, o orbe se enriquece de modo incalculável: a nova sensibilidade suscita outros usos e instituições, outra arquitetura e outra poesia, outras ciências e outras aspirações, outros sentimentos e outra religião. Pelo contrário, quando uma raça fracassa, toda essa possível novidade e aumento ficam irremediavelmente nonatos, porque a sensibilidade que os cria é intransferível. Um povo é um estilo de vida e, como tal, consiste em certa modulação simples e diferencial que vai organizando a matéria em torno. Causas exteriores desviam de sua trajetória ideal este movimento de organização criadora em que se vai desenvolvendo o estilo de um povo e o resultado é o mais monstruoso e lamentável possível. Cada passo à frente nesse desvio soterra e oprime ainda mais a intenção original, envolvendo-a numa crosta morta de produtos fracassados, toscos e insuficientes. A cada dia é esse povo menos o que deveria ter sido.