20.1.13

Duplo fim da linguagem

O fim da linguagem é, assim, duplo e contraditório: comunicação e cerceamento. Leva-nos para fora de nós, mas reentra-nos em nós pela vida de fraternidade e entendimento com aqueles que são nossos iguais ou próximos pelo espírito, pelo passado, pelas emoções comuns, pelo ofício e pelos interesses. O idioma une um povo adentro de si, mas separa-o dos outros povos. Quanto mais se aprende uma língua, tanto mais se desaprendem e esquecem todas as outras. Falar uma língua, que não é a nossa, é sempre tentar mudar de alma e de aparelho de fonação. Quando se fala bem a nossa língua, com domínio pleno de todos os seus mistérios, com estreita identificação com as experiência nela estratificadas, implicitamente praticamos um ato de guerra passiva contra todos os povos estranhos, porque nos isolamos por detrás de uma forte muralha espiritual, aquela selva das nossas peculiaridades separadoras. Só têm forte personalidade os povos que sabem expressar essa personalidade com mestria em palavras próprias, palavras fiéis aos aspectos fugentes do seu sentir mais típico e dos seus gostos mais enraizados, desde a cozinha até a etiqueta, através de todos os escaninhos da ética.

— Fidelino de Figueiredo, em Onipresença da palavra”, de A luta pela expressão: prolegômenos para uma filosofia da literatura, 1944.