28.6.13

Lembrança

Arnaldo Cezar Coelho, comentando o beijinho mandado por Neymar ao jogador uruguaio que o havia xingado, ia dizendo que se tratava de coisa absolutamente normal durante os jogos, e que estava ali o Ronaldo que entendia muito bem do assunto, — quando este o interrompe e, como se ninguém lembrasse dele com os travecos, lhe pergunta: “Por que diabos eu saberia disso, Arnaldo?” E por fim riem-se todos, com aquele riso leve dos funcionários da Globo. 

Queixa

Se ao menos Deus o perseguisse...

26.6.13

Encontro

Eu cometi a imprudência de folhear Mormaço, último livro de poesia publicado (primeiro na Espanha, com outro nome, depois aqui) por Lêdo Ivo, prolífico poeta alagoano falecido ano passado aos 88 anos de idade, — livro que, junto com Réquiem, de 2008, não consta ainda na sua Poesia Completa —, e desde então já li Mar Oceano, de 87, e Aluno relapso, de 91, sem conseguir pensar em outra coisa. Baita encontro.

24.6.13

Em resumo

O comunismo é um monstro metamorfoseador de cujos ilusionismos só escapa quem o lê.  

Voto

O voto só mudará certas coisas, no Brasil, depois de ser mudado por outras.                                                         

Perguntas

Poeta é aquele que, a par de outros atributos, desaprendendo o olhar comum a todos, se volta para os fatos com a abertura da primeira vez. O que significa que, enquanto nos limitamos às gastas visões do costume, é o poeta capaz de surpreender, por entre o véu do hábito, a nudez das coisas. E, com efeito, poucas obras conseguem ilustrar tão perfeitamente esse fenômeno como o Libro de las preguntas, do chileno Pablo Neruda, composto todo ele de breves poemas feitos (ao longo da vida) de interrogações tão perplexas quanto inesperadas as imagens que afirmam — só comparáveis, estas, em frescor, às de um Ramón Gómez de la Serna, em suas greguerías.

Por qué el sombrero de la noche
vuela con tantos agujeros?
*
Cuántas preguntas tiene un gato?
*
Por qué los pobres no comprenden
apenas dejan de ser pobres?

*
Y por qué el sol es tan mal amigo
del caminante en el desierto?

*
No será nuestra vida un túnel
entre dos vagas claridades?

*
Cómo se llaman los ciclones
cuando no tienen movimiento?

*
Si todos los ríos son dulces
de dónde saca sal el mar?

19.6.13

Condição

Com esta condição, pesada e dura,
Nascemos: o pesar terá firmeza,
Mas o bem logo muda a natureza.

— Camões.

6.6.13

Teoria

Alguém se aproxima de uma sala sem professor e, da porta, pergunta aos presentes: “Vai ter aula agora?” De dentro, recebe como resposta: “Teoricamente...” Que é como dissessem: “Deveríamos ter, mas, pelo visto, não teremos.” Pois. Teoria, no português brasileiro não especializado, o português de toda a gente que não é dada a ciências nem a filosofias: qualquer ideia (ou conjunto de ideias) contrariada pelos fatos. Tudo quanto se pensava que era pra ser, mas não é nem será. Mero papo furado. Acepção que, apesar de correntíssima, falta aos dicionários todos, talvez pelo constrangimento com o que o sentido denuncia. 

3.6.13

Europa




















“A Europa”, de Almada Negreiros, 1943. Uma imagem que começa em Camões (“Eis aqui, quase cume da cabeça/ De Europa toda, o reino lusitano,/ Onde a terra se acaba e o mar começa”), passa por Unamuno (“Del Atlántico mar en las orillas/ desgreñada y descalza una matrona/ se sienta al pié de sierra que corona/ triste pinar. Apoya en las rodillas/ los codos y en las manos las mejillas/ y clava ansiosos ojos de leona/ en la puesta del sol...”), e chega até Pessoa (“A Europa jaz, posta nos cotovelos/ De Oriente a Ocidente jaz fitando/ ...com olhar sphyngico e fatal,/ O Ocidente, futuro do passado.// O rosto com que fita é Portugal.”).

Acentuação

Segundo Monteiro Lobato, enquanto os franceses perdiam tempo acentuando palavras, os ingleses foram lá e dominaram tudo.

Realidade

A Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, e Os Lusíadas, de Camões — dois textos dos mais importantes para a narrativa em língua portuguesa, no mais tão afeita, nas origens, à mera crônica — guardam de comum o terem nascido sob o signo da aventura. O primeiro dá conta das “muitas e muito estranhas coisas” vistas e ouvidas pelo autor durante suas viagens ao Oriente; o segundo — escrito também por um viajante —, dos feitos do Gama por “mares nunca dantes navegados”, bem como da memória dos reis que “dilataram a fé e o império”. E o que os demais tiveram de inventar (“vãs façanhas,/ Fantásticas, fingidas, mentirosas”), protagonizaram os portugueses: “As verdadeiras [façanhas] vossas são tamanhas,/ Que excedem as sonhadas, fabulosas,/ Que excedem Rodamonte e o vão Rugeiro/ E Orlando, inda que fora verdadeiro”. Uma realidade mais rica, a portuguesa, que a ficção de outros povos... Com o tempo, porém, eles decaem, se imobilizam e perdem a prerrogativa. Ficam sem assunto. Ainda só lhes interessa — tanto quanto a nós, seus herdeiros — a vida, agora besta como não sei o quê.