31.3.14

Irmãos de dor

Imaginem a cara que não fiz ao tomar conhecimento de que Anna Akhmátova — a mulher de perfil triste mas forte — verteu para o russo um poema de ninguém menos que Antero de Quental. Quer dizer então que ela sabia português?! Não, de fato não sabia, tendo por isso trabalhado sobre uma tradução justalinear feita por outrem. O que não deixa de ser significativo, e não deixa de fazer todo sentido: ninguém cantou o sofrimento de forma tão constante e sublime quanto os dois. O poema em questão chama-se “Zara”, na verdade um epitáfio escrito para o túmulo da menina que dá nome à peça, irmãzinha de um amigo, — poema o qual Antero preferia que nem fosse publicado, mas permanecesse reservado à lápide, só ao alcance de parentes e amigos da família.
ZARA
Feliz de quem passou, por entre a mágoa
E as paixões da existência tumultuosa,
Inconsciente, como passa a rosa,
E leve, como a sombra sobre a água.
Era-te a vida um sonho. Indefinido
E tênue, mas suave e transparente...
Acordaste... sorriste... e vagamente
Continuaste o sonho interrompido.