7.6.14

Remorso





















Daquelas matérias para as quais eu era impermeável, a mais alienígena à minha compreensão foi sempre a química. As matemáticas me falavam dos números e das figuras geométricas, e eu os conhecia ainda que de vista; a física, por sua vez, me falava de móveis indo de um ponto A a um ponto B, e conquanto me fizesse perguntas a que eu era incapaz de responder, nunca me foi difícil ter em mente do que se tratava. Já a química, de que diabos me falava? Muito por negligência minha, terminei o ensino fundamental bastante longe de saber. Por isso o meu espanto com um livro como A Tabela Periódica, de Primo Levi, — livro autobiográfico em que cada capítulo narra um episódio de sua vida de judeu italiano e químico profissional envolvendo um dos elementos em particular da tabela. Primo Levi discorre sobre uma série de coisas para as quais eu toda vida fui surdo, mas de forma não apenas vagamente compreensível como também cheia de interesse. E tudo porque, além da significância das personagens que relembra e recria, Primo Levi procura dar caráter humano às reações químicas com as quais trabalhava, tirando delas implicações filosófico-existenciais, — ao menos nisso lhes atribuindo uma carga simbólica como a dos antigos alquimistas, sem nunca resvalar, porém, no misticismo. Por exemplo, ao explicar tecnicamente as propriedades reativas do zinco impuro (?), é a situação do judeu numa Itália já sob a vigência das leis raciais que ele ilustra, e assim por diante. Que mundo rico de sentido Primo Levi faz a química parecer, e de quanto remorso vai a leitura me enchendo por ter sido sempre o mais completo ignorante dela.