28.5.15

Extemporânea

Octavio Paz sobre o lugar da poesia no mundo moderno:
Em toda sociedade funciona um sistema de proibições e autorizações: o domínio do que se pode fazer e do que não se pode fazer. Há outra esfera, geralmente mais ampla, dividida também em duas zonas: o que se pode dizer e o que não se pode dizer. As autorizações e as proibições compreendem uma gama rica de matizes e que varia de sociedade para sociedade. Não obstante, umas e outras podem dividir-se em duas grandes categorias: as expressas e as implícitas. A proibição implícita é a mais poderosa: é o que “por sabido se cala”, o que se obedece automaticamente e sem reflexão. O sistema de repressões vigente em cada sociedade repousa sobre esse conjunto de inibições que sequer requerem o assentimento de nossa consciência./ No mundo moderno, o sistema de autorizações e proibições implícitas exerce influência sobre os autores por meio dos leitores. Um autor não lido é um autor vítima da pior censura: a da indiferença. É uma censura mais efetiva que a do Índice eclesiástico. Não é impossível que a impopularidade de certos gêneros — a da poesia, por exemplo, desde Baudelaire e dos simbolistas — seja o resultado de uma censura implícita da sociedade democrática e progressista. O racionalismo burguês é, por assim dizer, constitucionalmente avesso à poesia. Daí que a poesia, desde as origens da era moderna — ou seja: desde o fim do século XVIII — se tenha manifestado como rebelião. A poesia não é um gênero moderno, sua natureza profunda é hostil ou indiferente aos dogmas da modernidade: o progresso e a supervalorização do futuro. É verdade, alguns poetas têm crido sincera e apaixonadamente nas ideias progressistas, mas o que dizem realmente suas obras é algo muito diferente. A poesia, qualquer que seja o conteúdo manifesto do poema, é sempre uma transgressão da racionalidade e da moralidade da sociedade burguesa. Nossa sociedade crê na história — periódicos, rádio, televisão: o agora — e a poesia é, por natureza, extemporânea.