Onde quer que se esteja hoje em dia, ouve-se falar na província, em tom de queixa ou autocensura. Nunca esteve mais difundido o medo de ser provinciano. Bem, ele é infundado, pois presume a existência de um centro a respeito do qual seria fácil concordar e cujo papel como árbitro em todas as questões intelectuais seria incontestável. Até agora atribuiu-se esse papel a duas ou três metrópoles europeias. Ele terminou, ou ao menos reduziram-se estas a meros locais de difusão. Falar em província e pensar em interior pode ter funcionado na Alemanha dos anos 20, diante do brilho de Berlim; mas hoje, nem Londres nem Paris têm a última palavra em matéria de juízo crítico. A velha expressão ‘aqui é capital, ali é província’ tinha sentido, tratando-se do próprio país, na época do nacionalismo, pois era em relação a outras regiões do mundo uma sublimação do pensamento imperialista. Na nossa situação histórica [o ensaio é de 1962], na qual até as poderosas forças coesivas das ideologias políticas já não bastam para canonizar uma nova Roma, e na qual nenhum ‘bloco’ mais pode estar seguro de sua estrutura monolítica, a diferença entre província e capital já não se pode ratificar, e falar de provincianismo assume novo sentido. Província é toda parte, porque o centro do mundo não está mais em parte alguma, ou, ao contrário, porque o seu omphalos, em princípio, pode ser presumido em qualquer parte. Nisso a literatura adiantou-se à política: a capital literária do mundo pode ser Dublin ou Alexandria. Fica em Svendborg ou Meudon, em Rutheford ou Meran. Uma ilha próxima à costa sul-americana do Pacífico, uma datscha nas florestas russas, uma cabana de toros num lago canadense não são menos centrais do que os modestos apartamentos em Londres, Paris ou Lisboa aos quais se recolheram autores como Eliot, Beckett ou Pessoa.
(Enzensberger)