31.8.15

Diferença

Semelhantemente a nós, os deuses também conheciam tudo sobre os homens, inclusive as intenções mais íntimas. A diferença é que sabiam perdoar.

Branco

Todos os discursos, de todas as áreas, já estão prontos. Um texto jurídico escreve-se a si mesmo. De igual modo o jornalístico, o acadêmico, o literário. Não há fenômeno mais raro do que a página em branco. 

29.8.15

Tempo

Não é porque um autor antigo faz sentido ainda hoje, que se trata de alguém à frente do seu tempo. Ainda que se discuta o porquê: talvez sejamos nós que andamos aquém do nosso, ou — melhor — seja o caso da circularidade que nos leva sempre ao mesmo. Mas não é porque um autor antigo faz sentido ainda hoje, que se trata de alguém à frente do seu tempo.

Se

Um dia pesquisadores europeus se reuniram, olharam para os não-europeus em geral, e então se perguntaram: “Se, contra todas as evidências, eles não são menos humanos do que nós, e é verdade que demônios não existem?...”

19.8.15

Silêncio

... o profundo silêncio que se foi acumulando pouco a pouco em nosso interior. Começamos a nos calar quando crianças, à mesa, ante nossos pais que ainda nos falavam com aquelas velhas palavras sangrentas e pesadas. Nós não abríamos a boca. Não abríamos a boca em protesto e por desdém. Não abríamos a boca para dar a entender a nossos pais que aquelas grandes palavras já não nos serviam mais. Tínhamos conosco outras palavras. Não abríamos a boca, cheios de confiança em nossas novas palavras. Utilizaríamos essas nossas palavras mais tarde, com gente que as compreendesse. Éramos ricos em nosso silêncio. Agora estamos envergonhados e desesperados, e conhecemos toda a miséria. Nunca mais nos livraremos dela. Aquelas grandes palavras velhas, que serviam aos nossos pais, já são moedas fora de circulação e ninguém mais as aceita. E com as novas palavras, que agora percebemos que não têm valor, não se compra nada. Não servem para estabelecer relações, são aguadas, frias, infecundas. Não nos servem para escrever livros, nem para manter ao nosso lado uma pessoa querida, nem para salvar um amigo.

(Natalia Ginzburg)

Excesso

Segundo Gracián, “o muito é descrédito”. Ou, por outra: “todo o demasiado é vicioso”. Por esse motivo — e em antecipação à suspeita de Brecht quanto aos grandes homens, que seriam pequenos demais para se contentar com a companhia de uma mulher: “os gigantes costumam ser os verdadeiros anões”.

7.8.15

Boas

De acordo com Franz Boas, o valor da antropologia estaria em (1º) nos fazer compreender as raízes da nossa civilização, (2º) nos incutir o valor relativo de todas as formas de cultura e (3º) nos impedir a hipervalorização do nosso próprio tempo, que alguns chegam ao cúmulo de julgar o estágio final da evolução humana — lições sem as quais, segundo ele, não só nos privamos dos benefícios que se adquirem com o conhecimento de outras culturas, como nos incapacitamos para uma crítica objetiva à nossa própria.

6.8.15

A última

Jamais teríamos chegado à primeira palavra sem a pretensão de que também fosse a última. 

Prêmio

O céu, que já foi uma compensação para o abandono da vida, é hoje prêmio dos que a conquistam.

4.8.15

Preferência

Os homens preferiram a possibilidade do inferno à certeza do esquecimento.