21.9.15

Para sempre

Os contos de fadas operam a popularização medieval do herói mitológico, e o romance, a sua democratização burguesa. O herói romanesco tem nome, genealogia e endereço (ao menos até Kafka), assim como o dos mitos; ao passo que o herói dos contos de fada é a rigor qualquer menino ou menina — “príncipe” ou “princesa” —, filhos de pai e mãe quaisquer — genéricos “reis” e “rainhas” —, habitantes de um reino em geral não identificado em algum lugar “muito, muito distante”. Em outras palavras, porque os burgueses têm a pretensão da singularidade, seus heróis estão condenados ao fracasso, como estão os heróis trágicos; enquanto nos contos de fadas camponeses, satisfeitíssimos no seu anonimato — chamando-se quando muito João ou Maria, essa forma nominal de não ter nome —, lutando apenas contra problemas comezinhos da vida, próprios das existências mais banais — como o ciúme dos irmãos, a negligência dos pais, a perseguição da madrasta —, sem qualquer outra ambição para além de uma monótona sobrevivência, afinal podem, vencendo aqueles imprevistos, sonhar com terminarem “felizes para sempre”.