Existe no pensamento de Cioran a respeito da utopia a seguinte tensão: muito embora lhe pareça incompreensível que as coisas sejam como são, ou melhor, que as pessoas tolerem as coisas como elas se apresentam, e muito embora julgue a utopia — isso é, a felicidade imaginada — como o motor do desenvolvimento histórico, e portanto esclerosada toda a sociedade que a tenha abandonado, — há nele um indisfarçado desprezo por quem, a essa altura, ainda é capaz de esperanças utópicas. Em outras palavras, se considera desprezíveis os homens que vivem sem ânsia por ideal, não considera menos aqueles ainda capazes de ansiá-lo. Os primeiros por serem cretinos, os segundos por serem ingênuos. Para Cioran, é certo que as coisas não deveriam ser como são, mas já igualmente certo que não podem ser muito melhores, e os homens, se acertam ao não se conformarem com o presente, se equivocam se ainda acreditam em futuro.