22.11.15

Formalidade

A sensibilidade ocidental não está lá muito preocupada com a prática ou não da violência — isso é o de menos —, desde que exista contra ela alguma espécie de condenação formal. Desde que exista contra ela um papelucho subscrito em que se leia: “Não é certo fazer isso que vocês vão continuar fazendo.” Daí porque pouco importa o tratamento desumano que populações inteiras tenham recebido nas colônias europeias: importa é que exista uma bula, assinada pelo papa não sei qual, dizendo que essa gente tinha alma. Pouco importa que comunidades judaicas tenham sofrido violência de maneira regular durante todo o medievo: importa que exista outra bula, assinada por sei lá qual outro papa, proibindo cristãos de perseguirem judeus. Pouco importa que povos cristãos hajam sempre se matado uns aos outros pelos mais diversos e fúteis motivos: importa que Cristo mandou dar a outra face. De onde o problema ocidental com o mundo islâmico, cuja (in)sensibilidade prescinde dessa grande ferramenta de conforto psicológico: a hipocrisia. Parece que lá eles admitem abertamente a violência entre as formas legítimas de resolver algumas questões. É claro que os ocidentais também acreditam nisso, aliás mais do que em qualquer outra coisa, mas já não conseguiriam sobreviver a essa admissão, que lançaria por terra toda a superioridade moral do cristianismo, a qual não consiste em outra coisa que não seja os cristãos fazerem sistematicamente tudo que a religião cristã proíbe.