Nas máximas de La Rochefoucauld, aquilo que por vezes nos parece gratuito, ou mesmo arbitrário, e, durante a leitura, nos compele a ir respondendo: “nem sempre”, “não necessariamente”, “muito pelo contrário”, se deve não tanto a possíveis desatenções do autor, e menos ainda a qualquer deficiência intrínseca à forma literária utilizada, mas ao fato de as coisas já não se darem entre nós, hoje, exatamente como se davam para a aristocracia francesa do século XVII. Não é que seja impossível La Rochefoucauld ter errado: é que não somos nós, que já quase nada sabemos da dinâmica social nas cortes do Antigo Regime, as pessoas mais indicadas para apontar esses equívocos. A menos que sejamos especialistas, ou adivinhos, o máximo que nossa eventual divergência a qualquer afirmação categórica de La Rochefoucauld pode significar é que — na matéria em questão, já não somos assim. A consequência disso é que, apesar da pretensão universalizante, suas generalizações não são assim tão gerais. A “natureza humana” investigada por ele tem, pois, localização espaço-temporal muito bem determinada, e nem sempre coincide por completo com a “natureza humana” de períodos posteriores, como o nosso: ele diz “o homem”, e nós sabemos que esse homem é um nobre francês da metade dos 1600. Daí que se, nas máximas, La Rochefoucauld pode ser absolutamente impessoal, é justamente porque seus juízos não são seus, mas pertencem à figura do honnête homme, ideal humano de toda uma classe. E se esses juízos podem dispensar justificativas — justificativas que o caráter sentencioso da máxima, aliás, não permitiria —, é porque são emitidos em nome de um consenso — um consenso que nunca foi o nosso.