Aquilo que acusam de incompreensível [na poesia moderna] é afinal o ‘evidente’ de que falam todas as grandes obras, o qual deve ser esquecido e continuar esquecido, porque não será tolerado nem resgatado pela sociedade./ A recordação do evidente, daquilo que nos permanece oculto, é que motivou insultos e perseguições à poesia, onde quer que na história tenha aparecido o poder sem disfarces. O que as ditaduras empregam contra a poesia prova que forças dela emanam. Por mais insignificante que seja seu alcance, do ponto de vista estatístico, seu efeito é imprevisível. A poesia é um elemento residual. Sua mera existência questiona o existente. Por isso o poder não a suporta. Ela é intolerável a todos os regimes totalitários. Na interminável lista de livros proibidos e queimados, a poesia moderna tem um lugar de honra. A existência de muitos de seus melhores autores foi marcada pelo terror fascista e stalinista; não se pode ignorar a lista de exilados, assassinados, mortos no exílio, tombados na guerra civil, levados ao suicídio, mortos nos campos de concentração, arruinados nas prisões, torturados, fuzilados, na Alemanha, na Espanha, na Rússia: muitos poetas de nosso século acabaram assim. Eles testemunham que a poesia moderna não pode existir sem liberdade: ou ela mesma realiza um fragmento dessa liberdade, ou acaba sucumbindo.
(Enzensberger)