30.12.15

Omphalos

Uma das alegações mais insistentes feitas por Mircea Eliade é a de que o mito faz parte tão fundamental da existência humana, que nos é algo absolutamente inextirpável, por maiores que sejam as hostilidades contra ele. Quando muito, aquelas grandes imagens se degradam, se marginalizam, ou então vestem a máscara da racionalidade mais respeitável e passam a circular despercebidas entre os homens. Entretanto basta que se trave contato com suas formas primordiais, mais elementares, para que seus resquícios modernos sejam facilmente reconhecíveis. Esse é, aliás, um dos principais divertimentos que a leitura do historiador romeno proporciona: a possibilidade de pegarmos no contrapé o primitivismo de gestos considerados os mais cultivados. Por exemplo, a crença no axis mundi. Todos os povos antigos, inclusive e sobretudo os mais rudimentares, se consideravam o centro do mundo, habitantes daquela região em torno da qual os deuses haviam criado tudo que existe, sobre a única porta de acesso ao reino do sobrenatural. Para além de cada um deles, só poderia haver o caos, as trevas, as forças demoníacas — ou, em linguagem mais familiar, a barbárie. É bem verdade que, se tradicionalmente todos os povos se consideravam centrais, indispensáveis para a manutenção do cosmos, a experiência colonial conseguiu a proeza de forjar os primeiros povos com a triste consciência da periferia. Mas, apesar dessa consciência — ou justamente por causa dela —, por acaso houve alguma tribo que tenha acreditado mais intensamente na sacralidade de determinado sítio quanto as mentes brasileiras mais ilustradas acreditam na sacralidade da Europa — único lugar do globo onde o grande deus Civilização se manifesta?