Uma comprovação de que o desafio de uma perspectiva cultural não evolucionista é realmente uma forma viável de escapar à redutora disputa entre conservadorismo e progressismo foi o fato de Lévi-Strauss, um de seus proponentes mais reconhecidos, ter, ao longo de toda a carreira, as ideias combatidas tanto por conservadores quanto por marxistas, uma vez que ele tanto (segundo aqueles) diminuía as conquistas da civilização ocidental ao equipará-las quase patologicamente a toda sorte de selvageria, quanto (segundo estes) deslegitimava as forças revolucionárias do progresso que pela primeira vez se voltavam contra as injustiças de classe. Quer dizer: enquanto todos a seu redor se estapeavam buscando definir onde afinal residiria a superioridade da civilização europeia, se em seu passado ou em seu futuro, Lévi-Strauss sugeria que, diante de tudo que ainda se podia saber a respeito de uma série quase extinta de outras culturas, tal superioridade fosse ilusória, porque relativa.
24.2.16
21.2.16
Alternativa
Enquanto os estudos etnológicos caminhavam a passos largos rumo à superação definitiva do evolucionismo cultural (que é a ideia de uma contínua progressão cultural desde o homem primitivo até o europeu moderno; a ideia de que tudo que não seja a moderna sociedade europeia é o resquício de um estágio evolutivo já ultrapassado, uma forma de atraso), iam surgindo as grandes teses marxistas, freudianas (A origem da família, da propriedade privada e do estado; Totem e tabu; O futuro de uma ilusão), todas fundamentadas nesse mesmo evolucionismo cultural que a antropologia chegaria a desautorizar. E essa circunstância demonstra como a antropologia é, assim, uma alternativa efetiva, não abstencionista, ao cabo de guerra entre conservadorismo e progressismo, ambos nascidos de uma mesma ideia unilinear de progresso cultural, apenas disputando entre si sobre onde afinal encontrar-se-á o ápice, se no passado ou futuro da história europeia.
20.2.16
Explicado
É impossível tomar conhecimento de que a primeira população não-indígena do Brasil foi composta, ao longo de todo o século inicial de colonização, quase exclusivamente por degredados — isto é, por gente criminosa literalmente corrida da Metrópole — sem afinal achar que fica tudo explicado. Tal associação entre a má qualidade moral de ontem e a de hoje nos é tão tentadora, que não dá espaço para a mínima suspeita quanto à natureza do código penal então vigente e nossa absoluta desconformidade em relação a ele; e tão conveniente, que até nos impede de lembrar que, desde o nosso ponto de vista, poucas coisas na história da humanidade conseguem parecer tão estúpidas quanto o modo de pensar do contrarreformismo ibérico: pois se para nós, hoje, criminoso é o homicida, o violador, o ladrão e outras figuras que tais, para a coroa portuguesa do séc. XVI era igualmente criminoso — por isso digno igualmente de degredo — o homem que dizia mal da igreja, a velha analfabeta que tinha visões e prometia feitiços, a mulher casada que se deitava com um vizinho, o cristão-novo que persistia em não comer carne de porco...
8.2.16
Valorização
A valorização do reles, na arte como um todo, foi uma contribuição da estética realista. E não passa o impressionismo, sobretudo em pintura, do realismo levado à última consequência do instante. Van Gogh não chegou exatamente a ser um impressionista — estava já na fronteira do expressionismo —, mas sempre orbitou intelectualmente o movimento, além de ter sofrido muitas influências comuns, uma das quais ele revelará a seguir. Como consequência disso, tirando o sol e o céu estrelado, o holandês só teria olhos para coisas insignificantes: quando não camponeses jantando, ou cochilando, ou trabalhando, um par de botas rotas, um quartinho qualquer... E tudo isso porque, segundo ele: “Ao estudarmos a arte japonesa, veremos então um homem incontestavelmente sábio, filósofo e inteligente, que gasta todo o seu tempo de que forma? Estudando a distância que separa a terra da lua? Não. Estudando a política de Bismarck? Não. Apenas estudando uma folha de capim.”
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