20.2.16

Explicado

É impossível tomar conhecimento de que a primeira população não-indígena do Brasil foi composta, ao longo de todo o século inicial de colonização, quase exclusivamente por degredados — isto é, por gente criminosa literalmente corrida da Metrópole — sem afinal achar que fica tudo explicado. Tal associação entre a má qualidade moral de ontem e a de hoje nos é tão tentadora, que não dá espaço para a mínima suspeita quanto à natureza do código penal então vigente e nossa absoluta desconformidade em relação a ele; e tão conveniente, que até nos impede de lembrar que, desde o nosso ponto de vista, poucas coisas na história da humanidade conseguem parecer tão estúpidas quanto o modo de pensar do contrarreformismo ibérico: pois se para nós, hoje, criminoso é o homicida, o violador, o ladrão e outras figuras que tais, para a coroa portuguesa do séc. XVI era igualmente criminoso — por isso digno igualmente de degredo — o homem que dizia mal da igreja, a velha analfabeta que tinha visões e prometia feitiços, a mulher casada que se deitava com um vizinho, o cristão-novo que persistia em não comer carne de porco...