30.4.16

Distância

Houve um tempo em que as pessoas estavam a tal ponto ligadas umas às outras, que dos gestos daqueles que ficavam dependia inteiramente a sorte daqueles que partiam. Houve um tempo em que nem mesmo a distância podia contra a eficácia dos gestos humanos. Houve um tempo em que a distância sequer existia.

17.4.16

Sono

Segundo o mito de criação dos nandi, um povo do Quênia, o indício de que os seres humanos eram maus, mesmo antes de iniciarem a carreira de maldades que mais tarde os caracterizaria, era a capacidade que sempre tiveram de se mexer durante o sono. “Que tipo de criatura é o homem? Ele consegue se virar de um lado para o outro mesmo enquanto dorme.”

12.4.16

Dilema

Sempre que se dirigiam a Cristo com uma questão que, pela forma redutora como era apresentada, só lhe possibilitava duas respostas, ambas em todo caso insuficientes, ele saía-se invariavelmente por uma terceira via alternativa. Apedrejar a mulher adúltera, sim ou não? Pagar tributo a César, sim ou não? Guardar o sábado, sim ou não?... Dentro do rol das grandes lições evangélicas mais desperdiçadas, eu acrescentaria ainda esta: não ceder à imposição de dilemas.

2.4.16

Máxima

Autor de um livro de máximas intitulado Poesias, Isidore Ducasse, também conhecido como Conde de Lautréamont, assim as explica:
A máxima não precisa dela para se provar. Um raciocínio exige um raciocínio. A máxima é uma lei que encerra um conjunto de raciocínios. Um raciocínio se completa à medida em que se aproxima da máxima. Tornado máxima, sua perfeição rejeita as provas da metamorfose.

1.4.16

O Livro de Jó talvez marque o momento exato em que surge, no pensamento judaico, a crise que o conduz à necessidade de uma perspectiva escatológica. Até então, o que eles tinham era a vida, regulada pela Lei em cada um de seus aspectos, mesmo mais corriqueiros, e ao longo de todas as suas fases, do berço ao túmulo. Mesmo o paraíso com que contavam era de natureza geográfica. Até que surge, para a sensibilidade de alguns, o escandaloso descompasso entre justiça pessoal e bem-aventurança: os justos eventualmente sofrem; os ímpios na quase totalidade dão-se bem. Ora, Deus onde está, que não recompensa os homens segundo a vida que vivem? Mais: um Deus que assim o faz pode ainda ser considerado justo? Os responsáveis pela tradição apressam-se com os panos quentes, mas em vão. Mesmo a submissão vai agora cheia de uma perplexidade inevitável, dada a carteirada de Deus: “Onde vocês estavam quando Eu criei o mundo?” Para o impasse, uma solução possível: a ressurreição dos justos para a vida, a dos ímpios para a morte. O céu. O inferno.