Parece até que gostamos de nos julgar numa sociedade violenta. Do contrário, por que nos diríamos em uma que, pesadas as coisas, é branda em demasia, matando até de menos? Não é difícil perceber que a quantidade de brasileiros rebolando cretinice por sobre a terra é incomensuravelmente maior que a de brasileiros mortos, por exemplo, com um tiro na cara, — o que só por si põe em xeque tal alegação. Eu poderia apelar para um número infinito de circunstâncias — nós conhecemos bem a fauna que habita as filas, os transportes públicos, os locais de trabalho, as cátedras universitárias —, mas opto pela mais ampla. Para onde olhamos, vemos ruas pavimentadas, e nessas ruas, carros, e nesses carros, ao volante, brasileiros. Pois bem. Conquanto chamem violento a esse nosso trânsito, eu lhes asseguro que não há uma só vez que eu saia de casa sem testemunhar algum motorista sair ileso depois de muito implorar por um tiro. Hoje mesmo vi um sujeito descer do carro e partir com impropérios em direção a outro, logo atrás. De imediato me ocorreu: menos um. E, todavia, nada. Cansado de xingar, sem o tão merecido óbito, virou-se, retornou ao carro e foi-se.
31.8.12
27.8.12
Peões
Houvesse no Brasil algum interesse real pela meritocracia (e que essa palavra seja possível em português é já uma coisa que abisma), ele teria de começar por combater o condicionamento das oportunidades às contingências sociais. Se o que contasse fosse o tão babado valor individual, e não o da família em que se nasce, era de se esperar que buscassem eliminar o desperdício dele, viesse donde viesse. Duas coisas que não ocorrem. Andam os brasileiros falando de mérito, excelência e competitividade, mas o que lhes tira o sono é a faxina, ou quem há de realizá-la. Tanto quanto a portaria, ou quem há de vigiá-la. E o filho, ou quem há de cria-lo. É verdade que, se perguntados, lamentarão a queda do ensino público superior, quando a única que realmente os aflige é a da casta de desqualificados para fins subalternos.
22.8.12
States
O Afrânio Coutinho da autonomia das letras nacionais é o mesmo da introdução no país do New Criticism, sob a alegação de que agora nos States é assim.
Quadro
Família concentrada num cômodo da casa, cada membro seu com um tablet no colo: oh, horror. Essa mesma família, nesse mesmo cômodo, e no colo de cada qual, agora, um livro: a salvação da humanidade.
20.8.12
Solução (2)
O progressista planeja o mundo ideal contando com as soluções possíveis, enquanto o conservador planeja o mundo possível contando com as soluções ideais.
Voto
Não há argumento mais convincente contra a anulação do voto que a apresentação de alguém que o mereça. Nem mais difícil.
17.8.12
14.8.12
Joyce
Em uma discussão, é preciso restringir-se às idéias. A menos que elas sejam as do Paulo Coelho.
13.8.12
Entre a esquerda e a direita
Me informam que hoje, 13 de agosto, é dia dos canhotos, o que, sendo assim, o faz em parte um dia meu. Em parte porque, graças à santa que me alfabetizou, acabei adquirindo um tipo peculiar de ambidestria, cujo lado bom varia da mão para o pé. Vejam bem: sou um ser humano tão especial, que, não satisfeito em ser canhoto, arranjei de ser um canhoto que escreve com a direita. E se me perguntassem pelo maravilhoso efeito disso em minha vida, eu só conseguiria responder que, se ser canhoto causa desconfiança em quem vê, ser meio-canhoto a causa inclusive em quem é.
8.8.12
7.8.12
5.8.12
Literatura
O que mais me interessa na filosofia é a literatura, que é o que nesta menos me interessa.
Olimpíadas (2)
À parte a falta de estrutura, que afeta mesmo os esportes de eleição, outro grave problema do Brasil é a desigualdade, que o condiciona a uma dispersão mediocrizante. Tirando a parcela brasileira do país (interessada nos esportes já sedimentados, é verdade, com os quais tem contato imediato na rua, no colégio ou no clube da esquina, quase sempre porém sem meios para uma futura dedicação mais exclusiva, profissional), as demais querem a prática daqueles que seguem à distância, pela TV, bem pouco preocupadas com se terão os requisitos físicos e temperamentais que lhes ensejem alguma excelência. Enquanto algumas nacionalidades, mais conscientes de suas limitações, isto é, de seu caráter, dedicam-se aos esportes que lhes são mais propícios (há países que só levantam peso, outros que só correm nas provas de fundo, outros que prioritariamente nadam), há brasileiros que se metem até em Olimpíadas de Inverno.
4.8.12
Olimpíadas
O monopólio do futebol, esporte coletivo em que não raras vezes e pelas mais diversas razões times muito piores conseguem vitórias sobre outros bem melhores, nos privou aos brasileiros da apreciação de esportes individuais cuja competição — embora às vezes simultânea, como em algumas modalidades do atletismo e na natação — é do atleta contra seus próprios limites; esportes em que o outro, o adversário, não existe, ou antes é o atleta mesmo. O brasileiro ama o futebol e desconfia de qualquer esporte feito para a vitória certa dos melhores e a derrota inescapável dos piores, sendo absolutamente incapaz de aceitar que, no caso específico, haja o conhecimento prévio das marcas pessoais, as quais só serão batidas, na hora H, por uma espécie improvável de complô cósmico, quase uma ajuda divina típica das epopéias. A chance de vitória quando a melhor marca pessoal não é a melhor do mundo é o sujeito atingi-la torcendo pra que os favoritos tenham entrado em litígio conjugal semanas antes do torneio, ou perdido a mãe na véspera da prova, ou acordado com disenteria. No mais, é o favorito quem leva, ou deixa para o segundo favorito, a chance de zebra sendo nula: — algo com o qual não chegamos nunca a nos comover.
3.8.12
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