Lembro de ter lido um breve ensaio em que se acusavam os partidários de Flaubert de lhe pagarem tributo não pelo conjunto da obra, — para o autor, além de escassa, de pouquíssimo mérito, com apenas um único êxito relativo —, e sim pela figura do escritor atormentado, noites e mais noites insone por causa de uma mísera palavra que não lhe parecia exata — o Flaubert das cartas. E o que não passa de provocação dito sobre os leitores do francês, acaba de muita justiça se aplicado aos de Borges, cuja obra, derivativa, metaliterária, é qualquer coisa de mais ou menos dispensável — valendo antes como método. Todos os quase-contos, falsos-ensaios, parábolas, pesadelos e poemas, por maiores as intuições que contenham, não se comparam em importância à figura emblemática do leitor cuja memória impede a distinção entre o sonhado e o testemunhado; à figura do frequentador daquela biblioteca infinita, universal, depositária do passado dos homens, o qual maneja com toda liberdade; à do leitor capaz de negligenciar, arbitrariamente, alguns dos melhores escritores de sempre, praticantes de um gênero que despreza, ao passo que se aferra a nomes secundários, às vezes obscuros, tão obscuros quanto os temas de que trata; à figura do latino-americano que não deixa nunca de ser um europeu desterrado e jamais se imiscui; à do erudito excêntrico, sem pejo algum de não ler o grego nem o latim, que se gaba de ter esquecido, enquanto estuda o anglo-saxão...