26.6.14

“To disengage myself from those corpses of me”

O LIVING ALWAYS, ALWAYS DYING

O living always, always dying!
O the burials of me past and present,
O me while I stride ahead, material, visible, imperious as ever;
O me, what I was for years, now dead, (I lament not, I am content;)
O to disengage myself from those corpses of me, which I turn and look at where I cast them,
To pass on, (O living! always living!) and leave the corpses behind.

(Walt Whitman)

23.6.14

O lirismo

O lirismo é uma tentativa de fazer face a essa situação: o homem expulso da redoma protetora da infância deseja entrar no mundo, mas ao mesmo tempo, porque tem medo deste mundo, modela a partir de seus próprios versos um mundo artificial e de substituição. Faz girar ao seu redor os seus poemas como planetas ao redor do sol; torna-se o centro de um pequeno universo onde nada é estranho, onde sente-se em casa como a criança dentro da mãe, porque aqui tudo é moldado pela única substância de sua alma. Aqui ele pode depois terminar tudo o que é tão difícil fora; aqui ele pode, como o estudante Wolker, marchar com a multidão de proletários para fazer a revolução e, como o rapazola Rimbaud, remexer as suas pequenas apaixonadas, porque essa multidão e essas apaixonadas não são moldadas pela substância hostil de um mundo estranho, mas pela substância de seus próprios sonhos, são portanto ele mesmo e só rompem a unidade do universo que ele construiu para si mesmo.

Milan Kundera, A vida está em outro lugar, trad. Denise Rangé Barreto.

Demanda

Uma âncora que primeiro demandasse derivas e depois lamentasse ter sido levantada. 

Pose

O primeiro olhar alheio para o qual se posa é o próprio. 

20.6.14

Dívida

Megalômano tal qual é (autoproclamado maior intelectual brasileiro vivo, e se você não concorda, então aponte outro que saiba tanto e tantas matérias quanto ele ou o vença num debate sobre um tema da própria escolha), Olavo de Carvalho conseguiu criar aparentemente sozinho todo um repertório facilmente reconhecível de alegações fundamentadas numa luta meio neurótica do indivíduo contra forças totalitárias não tão ocultas assim (é preciso que cada um tenha sua arma e tire os filhos de sob a influência comunizante do MEC, porque Nossa Senhora apareceu em Fátima e disse qualquer coisa a respeito), além de um público amplo e heterogêneo de leitores-ouvintes, alunos ou não, — tão incondicionalmente favoráveis, uns, quanto ostensivamente contrários, outros, mas todos infalíveis no acompanhamento que fazem dele —, possibilitando com isso a emergência de meia dúzia de jovens parafraseadores de verve, os quais, tão logo cativam um público junto ao dele e o consolidam, garantem que pessoalmente não lhe devem nada.

14.6.14

Requisito

Antes de começarem a lutar pela mudança do mundo, era conveniente aguardarem pelo menos a mudança de voz.

7.6.14

Remorso





















Daquelas matérias para as quais eu era impermeável, a mais alienígena à minha compreensão foi sempre a química. As matemáticas me falavam dos números e das figuras geométricas, e eu os conhecia ainda que de vista; a física, por sua vez, me falava de móveis indo de um ponto A a um ponto B, e conquanto me fizesse perguntas a que eu era incapaz de responder, nunca me foi difícil ter em mente do que se tratava. Já a química, de que diabos me falava? Muito por negligência minha, terminei o ensino fundamental bastante longe de saber. Por isso o meu espanto com um livro como A Tabela Periódica, de Primo Levi, — livro autobiográfico em que cada capítulo narra um episódio de sua vida de judeu italiano e químico profissional envolvendo um dos elementos em particular da tabela. Primo Levi discorre sobre uma série de coisas para as quais eu toda vida fui surdo, mas de forma não apenas vagamente compreensível como também cheia de interesse. E tudo porque, além da significância das personagens que relembra e recria, Primo Levi procura dar caráter humano às reações químicas com as quais trabalhava, tirando delas implicações filosófico-existenciais, — ao menos nisso lhes atribuindo uma carga simbólica como a dos antigos alquimistas, sem nunca resvalar, porém, no misticismo. Por exemplo, ao explicar tecnicamente as propriedades reativas do zinco impuro (?), é a situação do judeu numa Itália já sob a vigência das leis raciais que ele ilustra, e assim por diante. Que mundo rico de sentido Primo Levi faz a química parecer, e de quanto remorso vai a leitura me enchendo por ter sido sempre o mais completo ignorante dela.