Ninguém se aferra a uma ideia que não considera a mais exigente. Ninguém persevera num caminho que não julga o mais estreito. Jamais alguém deu um mísero passo que não tenha sido em desafio ao mundo.
28.10.15
Odisseia
Nada como o reencontro com a própria família, depois de tantos anos dedicados à destruição das alheias.
24.10.15
Sensibilidade
A sensibilidade japonesa é tamanha, ou, em todo caso, de uma natureza tão diversa da nossa, que mesmo seus poemas dispensam aquelas pirotecnias sem as quais tudo nos fica parecendo banal. Nossos poetas precisam nos dizer que as gerações dos homens se assemelham às folhas das árvores, e não sei mais o quê. A um poeta japonês é suficiente que aponte uma árvore qualquer, ou a lua, ou uma garça sobre a neve, ou uma mosca, e tudo aparentemente fica dito.
Extremos
Se o século XVII foi o século da prosa oratória, grandiloquente, emaranhada, feita de períodos amplos, sinuosos, arrevesados (Antonio Vieira, Thomas Browne etc.), foi também o de alguns dos escritores mais concisos que já existiram (La Rochefoucauld, La Bruyère).
23.10.15
Utopia
Existe no pensamento de Cioran a respeito da utopia a seguinte tensão: muito embora lhe pareça incompreensível que as coisas sejam como são, ou melhor, que as pessoas tolerem as coisas como elas se apresentam, e muito embora julgue a utopia — isso é, a felicidade imaginada — como o motor do desenvolvimento histórico, e portanto esclerosada toda a sociedade que a tenha abandonado, — há nele um indisfarçado desprezo por quem, a essa altura, ainda é capaz de esperanças utópicas. Em outras palavras, se considera desprezíveis os homens que vivem sem ânsia por ideal, não considera menos aqueles ainda capazes de ansiá-lo. Os primeiros por serem cretinos, os segundos por serem ingênuos. Para Cioran, é certo que as coisas não deveriam ser como são, mas já igualmente certo que não podem ser muito melhores, e os homens, se acertam ao não se conformarem com o presente, se equivocam se ainda acreditam em futuro.
Elogio
O maior elogio que o proprietário pouco obstinado de uma boa biblioteca pode afinal fazer a um livro é terminá-lo.
20.10.15
Imprevisto
A velhice é o grande imprevisto da existência humana. Os homens — ou não foram feitos para envelhecer, conforme o Gênesis, — ou foram feitos para morrer ainda jovens, segundo a Ilíada.
19.10.15
Revisão
É praticamente impossível solicitar uma revisão da história sem ter a nota corrigida para baixo.
Líder
Acho que foi Nietzsche quem disse que todo grande líder não passa de um psicólogo, no (mau) sentido de que nenhum grande líder cria uma necessidade para só depois supri-la com a própria liderança — o que seria algo realmente grande: criar, do nada, uma dependência generalizada de si —, mas, antes, apenas fareja uma ampla necessidade já existente e só então se candidata oportunisticamente a satisfazê-la, arrastando atrás de si o grande número.
15.10.15
Destro
Eu odiei a primeira professora que tive na vida simplesmente porque ela não era minha mãe. Apenas por isso, chorava com frequência durante as aulas, para as quais eu ia como que para a forca. A fim de que não atrapalhasse os demais, era mandado para a pequena biblioteca do colégio, onde tentavam me acalmar com livrinhos infantis em formato de bichos. Por sorte, não demoraram a perceber que eu não tinha condições de ficar sem ela, que por isso achou melhor me poupar do suplício até pelo menos o ano seguinte, quando então recomeçou meu tormento, dessa vez porque a responsável pela minha alfabetização decidiu que eu seria destro.
11.10.15
10.10.15
Rio
Eu passava em frente a uma sala com o piso coberto por um tatame sobre o qual vários jovens de quimono se preparavam para um treino de jiu-jitsu, e na direção contrária vinha uma criança de aparência japonesa vestindo uma calça branca e uma corda colorida em torno da cintura a caminho da capoeira.
8.10.15
Nobel
O grande problema das eleições e premiações literárias, aquilo que realmente nos deixa rendidos, sem saber o que fazer com elas, nem é a multidão de merecedores preteridos em nome de figuras questionáveis, mas, bem ao contrário, o número nem um pouco menor de merecedores justamente lembrados. Se só os maus escritores fossem os premiados, e as escolhas fossem invariavelmente políticas, seria ótimo. Mas o que fazer com um Nobel que, se nunca premiou nem Tolstoi nem Joyce nem Borges nem Nabokov nem Roth, por acaso não deixou de premiar nem Thomas Mann, nem William Faulkner, nem Samuel Beckett, nem Octavio Paz, nem Wislawa Szymborska?
2.10.15
Se
De acordo com Tertuliano, se Deus quisesse que vestíssemos roupas coloridas, as ovelhas não seriam brancas.
1.10.15
O riso
A sátira é um olhar desprezivo para o ridículo, nascido da superioridade. O cômico, por sua vez, é um olhar benevolente, fruto da identificação. No cômico, nós rimos de nós enquanto rimos dos outros; na sátira, rimos apenas dos outros.
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