Uns têm virtudes e defeitos. E precisam ser colonizados por causa dos defeitos. Outros têm virtudes e defeitos. E podem colonizar por causa das virtudes.
26.7.16
21.7.16
Tempo
Ninguém conhece melhor a insuficiência do tempo que o desocupado. Nenhuma porção de tempo é mais insuficiente que a porção completa. É possível fazer algo de útil no parco tempo livre entre uma ocupação desnecessária e outra: impossível fazer algo de útil com todo o tempo livre. As vinte e quatro horas de um dia são tanto mais curtas quanto menor o número de compromissos ao longo delas. Quanto mais horas dedicadas aos interesses alheios, mais pronto alguém estará de aproveitar o esgotamento da folga. Em relação ao tempo, só é possível tirar proveito das migalhas: a visão de um banquete enfastia. A pessoa desocupada se torna muito sensível à mera ideia de ocupação. Pensar em ter que fazer inutiliza de modo cabal o não fazer nada. É preciso não dispor de tempo para ser possível a ilusão de que há maravilhas a serem feitas com ele. Do contrário logo se percebe que é igualmente desperdício não desperdiçá-lo. Não dedicar tempo ao que não interessa, aliás, priva de se achar o que interesse. O tempo livre clama por mais tempo livre. As vinte e quatro horas de um dia exigem a vigésima quinta hora a fim de se permitirem proveitosas.
18.7.16
Sebo
As pessoas já não frequentam estabelecimentos desse tipo, por isso cada vez mais raros. Se querem um livro, mesmo esgotado, elas o encomendam pela internet e o aguardam ser entregue pelos correios. Já não sabem o que é caminhar por entre livros desconhecedores do que terão pela frente. Chegaram finalmente a reproduzir com o livro usado a relação prática e sem mistério que estão acostumadas a ter com tudo: devolveram o livro usado ao universo impessoal do catálogo, do estoque. E isso quando, mais até do que livros, o que lugares como esse tinham a oferecer era certo tipo de experiência: a experiência da oportunidade quase única, do encontro talvez irrepetível, da convergência imponderável dos fatos.
14.7.16
Suspeita
Muito de vez em quando me inquieta a suspeita de que, se em determinada altura da vida optei por literatura, foi porque as obras literárias em geral custam menos do que as filosóficas ou teológicas, e de que se me mantive um desconhecedor quase completo de literatura contemporânea, movida a lançamentos, não foi senão porque as edições populares dos clássicos custam relativamente pouco.
11.7.16
Razões
É possível abandonar o cristianismo pelas mesmíssemas razões que conduziram até ele. Por exemplo, a inadaptação à vida.
5.7.16
Romantismos
A imagem que fazemos do romantismo — a arte enquanto expressão, a luta do sentimento contra convencionalismos artísticos e sociais, e coisas do tipo — é, de certo modo, um estereótipo devido, em grande parte, ao enorme impacto de um movimento artístico pré-romântico alemão chamado Sturm und Drang, que antecede em algumas décadas a primeira geração alemã propriamente romântica, a primeira geração alemã que se autointitula romântica — a do grupo de Jena, composto por Novalis e os irmãos Schlegel, os quais eram, bem ao contrário daqueles primeiros, até bastante racionais, reflexivos, dedicados ao estudo dos clássicos e a um rearranjo de toda a tradição. E isso logo nos faz pensar no Machado de Assis que a gente cresce ouvindo dizer que era romântico nos primeiros romances e realista nos romances da maturidade, quando a verdade é que nada mais próximo ao ideário — romântico — do grupo de Jena, com seu tão referido conceito de ironia, do que — pasmem — o Machado de Assis autor de Brás Cubas.
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