4.12.16

Reconhecimento

De acordo com o etnógrafo Marco Antonio Gonçalves, para os pirahã, “as coisas não são feitas de uma só vez: passam por etapas, testes e experimentações até atingirem o que são.” Até mesmo Igagai, responsável pela organização do mundo, faz experimentos. Implícito nessa concepção de criação está o risco sempre grande de insucesso. Por isso, dão muita importância ao fazer vagarosamente (maihege) — equivalente a fazer bem-feito —, em oposição ao fazer apressadamente (aiboge) — o mesmo que fazer malfeito. Para os pirahã, eles mesmos fazem as coisas apressadamente, e por isso deixam marcas de imperfeição em tudo. Já os seres sobrenaturais trabalham com vagar, e por isso produzem coisas bem-feitas: “Igagai faz o sol devagar, Apapiuepe faz as estrelas devagar”. Para os pirahã, só existe um outro povo sobre a terra que sabe fazer as coisas tão vagarosamente quanto os seres sobrenaturais, e esse povo não é senão o povo “diaponeso”. Isso mesmo, o povo japonês. Segundo Gonçalves, os pirahã atribuem aos japoneses qualquer produto considerado bom — uma boa máquina fotográfica, um bom gravador, um bom motor de popa —, porque só os japoneses sabem fazer as coisas bem-feitas. — Mas como? Como uma tribo amazônica pôde chegar a ter os japoneses em tão alta conta? O etnógrafo esclarece: os pirahã são uma tribo bastante acostumada a lidar com antropólogos e até mesmo com missionários. Já tiveram entre eles diversos pesquisadores norte-americanos e brasileiros, e uma vez receberam a visita de uma equipe de TV japonesa. A impressão que os japoneses deixaram nos pirahã foi tamanha que, de acordo com Gonçalves, eles chegaram mesmo a criar um mito de origem a partir desse encontro — desse reconhecimento —, que se deu na década de 80. Segundo os pirahã, no princípio de tudo japoneses e pirahã formavam uma única sociedade. Em determinado momento, porém, alguns conflitos dividiram essa sociedade em dois grupos. Um dos grupos ficou onde sempre esteve, enquanto o outro saiu vagando pelo mundo, até se fixar em local muito distante. O grupo que permaneceu deu origem aos pirahã, o grupo que partiu deu origem aos japoneses. Ao longo do tempo, os japoneses foram fazendo muitos experimentos, até que aprenderam a fazer as coisas vagarosamente. E é por isso que tudo que os japoneses fazem, hoje em dia, é muito bem-feito.