25.4.20

Lojas de canela, Bruno Schulz





















Lojas de canela é um livro de contos que Bruno Schulz tira das memórias de uma infância sem acontecimentos numa cidade pequena da Polônia, onde, para ele, os grandes labirintos eram formados pelos corredores entre as casas vizinhas e os pássaros em bando eram o espetáculo mais extraordinário à vista. E o que falta de acontecimentos aos contos de Schulz, preponderantemente descritivos, sobra à prosa de Schulz: a rigor, a prosa de Schulz é o único acontecimento. Porque é através dela que vemos nascer um mundo comovente e exuberante criado, via observação, a partir do nada de uma vida monótona qualquer, bem conforme a teoria cosmogônica do pai já endoidecido, segundo a qual haveria no interior de todas as coisas sem valor uma riqueza infinita à espera de ser criada pelos homens: “O Demiurgos apaixonava-se por materiais requintados, perfeitos e sofisticados — nós damos preferência ao barato”. Não por acaso Schulz pertencia ao povo que, conforme uma vez disse Jean Bottéro, tinha por hábito transfigurar minúsculos acidentes familiares acontecidos às margens de um deserto em eventos de implicações cósmicas imensuráveis. Um hábito que, em todo caso, muito longe de ser uma exclusividade judaica, é na verdade próprio do pensamento mítico, do qual a prosa de Schulz haure toda a força.