Quando o espanhol Asín Palacios publicou, em 1919, seu estudo a respeito das fontes islâmicas da Divina Comédia, O Livro da Escada de Maomé ainda não havia sido redescoberto. Diz-se que, nesse texto árabe que foi traduzido na Europa pouco antes do nascimento de Dante, Maomé aparece guiado através do Inferno e do Céu pelo anjo Gabriel.
Se em A Linguagem dos Pássaros, poema do persa Farid ud-Din Attar (século XII), os pássaros partem reunidos em busca do Simorg, o rei dos pássaros, no Livro das Bestas (1286), do catalão Raimundo Lúlio, são os animais em geral que se reúnem para eleger um rei.
Se no poema de Attar é a Poupa quem dá o sermão aos pássaros, nos Fioretti de São Francisco (século XIV) o pregador aos pássaros é o próprio santo de Assis.
Aliás, da mesma forma que os pássaros de Attar saem em demanda do Simorg, os cavaleiros da Távola Redonda sairão na Demanda do Santo Graal. Muitas aventuras da Demanda inclusive se assemelham a aventuras, igualmente fantásticas, das Mil e Uma Noites.
No conto “A princesa apaixonada pelo escravo”, do poema de Attar, bem como no conto de Badrudin das Mil e Uma Noites, um personagem é apresentado a determinada realidade como a um sonho, da qual depois é tirado como se dela despertasse, o que é o cerne da peça A Vida é Sonho (1635), de Calderón de la Barca.
Além disso, há a questão da moldura, uma das principais características da velha narrativa islâmica: a narração de uma situação maior dentro da qual os contos são narrados (As Mil e Uma Noites, A Linguagem dos Pássaros, Kalila e Dimna são todos assim). E é justamente esse o procedimento de grandes coleções europeias medievais, como Os Contos de Cantuária e também o Decamerão (os dois do século XIV).
Os Contos de Cantuária, aliás, têm com A Linguagem dos Pássaros o fato de a moldura de ambos os livros ser uma peregrinação, no livro persa ao Simorg, no livro inglês à Catedral de Cantuária.
Há ainda o Libro de Buen Amor (século XIV), do Arcipreste de Hita, escrito no espírito do clássico Kalila e Dimna, essa coleção de fábulas e exemplos morais traduzida para o árabe no século VIII a partir da versão persa de um antigo livro indiano.
Sem falar no Quixote, onde o próprio Cervantes brinca com a origem árabe da história.