Podemos amar ou detestar um autor por amarmos ou detestarmos os personagens que ele nos apresenta. Mas também nos é possível gostar de um autor apesar dos seus personagens: amar Machado mesmo sem suportar Brás Cubas e Bentinho, venerar Flaubert mesmo quase morrendo de ódio com Emma Bovary e Frédéric Moreau. Em casos assim, só o que nos impede de abandoná-los de uma vez é a intermediação do narrador (presente mesmo na sua impessoalidade), como aquela única companhia que nos salva numa festa com gente insuportável. É isso o que acontece com a grande Katherine Mansfield, cujos contos são muitas vezes protagonizados por madames sem qualquer noção da vida, cheias de preconceitos de classe mesmo quando bem-intencionadas. Tudo isso é compensado pelo tom íntimo da narradora e pelo olhar atencioso às mínimas coisas, capaz de enxergar nelas os maiores sentidos, que depois vem generosamente compartilhar conosco, seus amigos. São muitos os autores que lutamos para ler. E, por mais satisfatória e compensadora que seja a vitória sobre um texto inacessível, é infinitamente maior a felicidade que dá abrir pela primeira vez um autor desconhecido, como Katherine Mansfield era para mim, e reencontrar um velho amigo cuja conversa finalmente podemos retomar.
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