“... decepcionante e terrível, assustador e chato, rotineiro e desinteressante. E no meio disso tudo, a melhor coisa da vida.”
— Tiago Cavaco.
Arremessados a este mundo,
sentimo-nos perplexos,
desajustados, aturdidos,
perdidos em grande confusão:
trouxeram-nos à existência
contrariando nosso livre-arbítrio...
Forçados, igualmente,
partimos,
sem que, para isso,
tenha sido pedido
nosso consentimento.
Enfim,
não compreendemos —
nem o porquê da viagem
nem o motivo da nossa permanência,
nem a razão da próxima partida...
*
Exatamente
como o descuidado pássaro
que não pôde evitar a armadilha,
assim caímos na existência, —
feridos, ofegantes, atordoados,
inteiramente desorientados.
E assim temos de viver neste globo,
no qual não vejo teto, porta,
nem entrada nem saída.
Não foi por nossa livre vontade
que nele desembarcamos,
nem será pela ânsia de partir
que o deixaremos um dia.
Sou um escritor cujo gosto pela perfeição impede de ser grande.
De literatura francesa, não li mais que trechos escolhidos. Gostaria apenas de os ter escolhido eu mesmo.
Recuso-me a saber o que pode pensar dos homens de talento o homem que não o tem.
Pouco a pouco vou renunciando a todas as coisas que não pude ter.
Uma vez tomada a resolução, continuo indeciso.
Se os homens tivessem o poder de completar a natureza, à serpente acrescentariam espinhos.
É assim tão certo que se nasce para viver?
Chamam “audacioso” o que deveriam chamar, simplesmente, “obsceno”.
Lamartine imagina cinco minutos e escreve uma hora. A arte é o contrário disso.
Ainda é feliz o homem que pode dizer: já fui feliz.
A ocupação de um escritor é aprender a escrever.
O arco de minha frase está sempre tensionado.
Cada uma de nossas obras deve ser uma crise, quase uma revolução.
Nosso melhor é incomunicável.
O gosto da morte não se dá sem o desgosto de tudo o mais.
Como homem, aceitar todos os deveres; como escritor, outorgar a si todos os direitos, inclusive o de zombar dos deveres.
Quanto mais se lê, menos se imita.
A recompensa dos grandes homens é, muito depois de sua morte, não estarmos certos de que morreram.
Como eu poderia ser a um só tempo anarquista e satisfeito?
O fatigante suplício de, durante uma hora, dizer não a um senhor que gostaria de fazê-lo dizer sim.
Ela deixou escapar um segredo que não tinha.
Francamente, amigos Barrés, Paul Adam, Bernard Lazare etc., por que aceitam a opinião da maioria em política se não a admitem nas artes?
... pequenos e grandes se avizinham (III, 19.),
O homem, porém, morre e jaz inerte;
Expira o mortal, e onde está ele? (XIV, 10.)
Um dia eu tava acordado,
No mais rancoroso sono,
Passou uma cobra azul
Falando num microfone,
E um mudo gritando em baixo:
— Vim buscar o meu abono!
Sou casado e bem casado,
Com quem, não digo com quem.
A muié ainda é viva,
Mas morreu, mora no Além.
Se um dia voltar à terra
Vai morar no pé da serra,
Não casa mais com ninguém.
Casemo no ano de quinze,
Na seca de vinte e três;
A muié era donzela,
Viúva de sete mês,
Mais não me alembro que tenha
Um dia ficado prenha,
Estado de gravidez.