26.2.12

Filosofia

Se há no mundo figura tão convincente quanto a de um filósofo brasílico, esta é por certo a de um babalorixá sueco.

Desprezo

Nunca os desprezadores da humanidade dependeram tanto do alvo de seu desprezo. Dedicado a vã tarefa de encontrar um só homem, habitava Diógenes um barril e dependia, quando muito, de que o alimentassem. E mesmo assim, contrariado, lamentava não ser possível saciar a fome de comida como saciava a de sexo, esfregando, em vez das partes, a barriga. Já hoje ninguém despreza ninguém sem, no mínimo, uma conta no Twitter. 

23.2.12

Deivid

Nunca nenhum jogador me havia dado ganas humanicidas. Durante década, assisti a Negreiros, Ramirez, Dimba, Souza e Josiel — os piores possíveis —, e nenhum deles me havia feito desesperar de tal modo da existência. Não exagero se digo que nada nesse mundo denigre tão cabalmente a natureza humana quanto a insistência do Deivid em continuar vivo. Se, após o jogo de ontem, durante toda uma noite em claro, o abominável chegasse a cogitar o suicídio (o que ele não apenas não fez como decerto dormiu profundamente, feito pedra), então poderíamos ter alguma esperança. Se, após aquilo, nosso camisa 9 deixasse de ver motivos para continuar a respirar (ele que, além de tudo, ainda exige pagamento), então é porque Deus talvez existisse e nem tudo fosse absurdo. Mas não.

13.2.12

Levi

Ouvi ontem à noite um sermão sobre a vocação de Mateus, ex-publicano autor de um dos quatro evangelhos. Pelo desserviço ao povo do qual fazia parte e pela prática habitual de enriquecimento ilícito, a classe que compunha equivaleria, atualmente, à dos políticos chinfrins. Era como se Cristo fosse à Câmara Municipal e convidasse à pobreza um antigo morto de fome oportunista cuja influência, apesar de nula, fora suficiente para torná-lo bem de vida. O que me trouxe à mente a postura de Zaqueu e, em contraste, a facilidade com que tudo se dá hoje em dia. Jesus chama a Levi, que deixa tudo e o segue. Chama, depois, a Zaqueu, que, se desfazendo dos lucros fraudulentos, restitui aos que havia roubado. Portanto, não é que não haja salvação possível a nossos piores. É que nunca abrir mão foi tão pouco exigido.

Morto

Quando um homem é melhor adormecido do que acordado,
Seguramente é ainda melhor morto do que vivo. 

— Saadi, Gulistan, 1259.

Zaqueu

Nada sumariza com mais propriedade nosso cristianismo do que as mulheres que ganham seus milhões posando nuas para depois se arrependerem, agora milionárias. 

10.2.12

Corrina

Pio

Nosso problema fundamental com a música erudita é que já não suportamos apresentações das quais não podemos participar. De onde as palmas ante qualquer pausa mais prolongada, não necessariamente o fim do movimento. Outras formas não tão elevadas de música demandam algum tipo de ascese, é verdade, mas nada que se compare ao rigorismo daquela. A um João Gilberto também se deve acompanhar em silêncio religioso, mas sempre haverá um Pixinguinha a ser cantado em coro sussurrante para a plenificação do espetáculo. Depois, há também o bloqueio causado pelo fato de que a música erudita talvez seja, em nosso tempo, de par com o vinho, um dos últimos refúgios dos connoisseurs. Assim como já não se consegue tirar toda a satisfação de uma golada sem se saber o ano da safra, o tipo de uva, o local de plantio, etc., também à música tratam-na como se só pudesse tirar proveito dela quem, após a audição no Youtube, fosse capaz de comentá-la, decompondo-a. E nós, pobres que só ouvimos música para nos emocionar, como só bebemos para nos embriagar, acabamos recolhidos a coisas mais próprias, as quais podemos apreciar à nossa moda, sem risco de olhares reprobatórios e, mais importante, sem um mísero pio a respeito, além dos suspiros e exclamações.    

4.2.12

Faxina

Se não li todos os livros que tenho, ao menos, depois da faxina, só continuo com os que ainda pretendo ler. 

3.2.12

2007

O Flamengo já deu mostras de que não precisa necessariamente de um técnico bom, mas, antes, de um que não inspire desconfiança e seja capaz, com simpatia e concessões, de evitar boicotes. Sem precisar me estender, trago à consideração o fato de termos ganhado o Brasileiro com Andrade à frente, o mesmo Andrade que, no mês seguinte, sucumbiu impotente à má vontade generalizada do grupo campeão. Deu certo enquanto os jogadores quiseram. Concedo que, com o que temos em mãos, merecíamos algo melhor que Joel Santana. Merecíamos um treinador disposto a investir nos recém-promovidos da base. Um treinador interessado em fazer o time correr, suar, sem emulações mal-feitas do reme-reme catalão, e audacioso o bastante para um meio de campo leve e criativo. Natalino, parte de nossa velha-guarda, decerto não é esse homem: acho até que seria prudente uma cláusula contratual proibindo a escalação simultânea de Aírton, Maldonado, Williams, Renato Abreu e Muralha. Mas, para compensar a defasagem, é querido como poucos nesse mundo pretensioso, podendo fazer as vezes do pai que nossos birrentos precisam. Imaginem se ele consegue manter o empenho de quando souberam da saída de Luxa... Estaríamos feitos. Em todo caso, se não bastam os argumentos acima, lembremos 2007, ano em que 2009 começou.  

O mundo das idéias

É verdade que há idéias das quais não teríamos qualquer notícia sem o auxílio da internet. Passaríamos a vida sem esbarrar com alguém que as defendesse, ou mesmo delas desconfiasse. Nem com um livro que as expusesse, ou uma iluminada revista que as discutisse. Valiosas idéias minoritárias, sem prestígio nem alcance, a que sabe Deus como chegamos, graças talvez a um link à-toa que resolvemos seguir, e sem as quais já não seríamos as pessoas espetaculares que somos. O que não impede, porém, que haja o grupo das que, sem a internet, nem mesmo existiriam. Das que, sem ela, jamais circulariam em letra de forma, de tão embaraçosas. Idéias que demandam reserva absoluta, mesmo para com as próprias mães. Do tipo que só se pode sustentar, de modo heróico, anônima ou pseudonimamente, e cujos grandes centros irradiadores foram as ora obsoletas comunidades do Orkut, compostas, as maiores, por algo em torno a trinta perfis falsos.