30.5.12

Desperdício

Só não há desperdício na dedicação àquilo para que o envelhecimento acrescenta. 

Mistério

Não há frase latina mais óbvia que a mais nebulosa depois de traduzida. 

29.5.12

Ação consciente

Não há como negar que vivemos uma época de crescente internacionalização. Os meios de transporte e comunicação anularam as distâncias e as barreiras entre as nações. Os livros circulam simultaneamente em quase todos os países, na língua original ou em traduções. As exposições internacionais de arte tendem a impor um estilo único a todos os países. Os mesmos filmes circulam, num breve espaço de tempo, por cinemas espalhados por quase todas as cidades do mundo. Diante de tais fatos seria simples demência pretender forjar um isolacionismo cultural, qualquer que fosse o pretexto. 

Mas essa intercomunicação não é apenas inevitável: ela é necessária e benéfica, na maioria de seus aspectos. Ela permite, no campo da ciência e da técnica, a aquisição de conhecimentos e a atualização cultural dos países menos desenvolvidos. Possibilita maior aproximação entre povos distantes, revelando-os uns aos outros, através da informação científica, como da narração literária e da expressão poética, teatral, cinematográfica. 

Não obstante, seria ingênuo ignorar que a literatura e a arte que importamos trazem consigo uma visão-de-mundo, uma colocação de problemas sociais ou existenciais, políticos ou filosóficos, estéticos ou religiosos que influem diretamente na formação de nossa intelectualidade. Tal influência é sempre positiva quando se exerce sobre culturas com a consistência necessária para absorver dela o que é útil, fecundo, e rejeitar o resto. Mas, nos países em formação, as influências externas tendem, muitas vezes, a agir como fator de perturbação do processo formativo, introduzindo desvios e discrepâncias que só se dão devido à fragilidade do movimento cultural implantado. 

No setor das artes plásticas, por exemplo, isso tem sido fenômeno freqüente entre nós. O movimento pictórico surgido em 22 se desenvolveu com alguma tranqüilidade até o fim da guerra, quando o isolamento involuntário do país acabou: a influência de Max Bill chamou os jovens para a arte concreta que, antes de dar seus frutos, já era substituída pelo “tachismo”, que já começa, por sua vez, a ser deslocado por um certo neo-figurativismo... Se essas mudanças tivessem sido determinadas por necessidades surgidas do trabalho dos artistas brasileiros, nada de mais. Sucede, porém, que todas essas mudanças são impostas de fora, pelas transformações operadas em Paris ou New York. Resultado: torna-se impossível aos nossos artistas, submetidos a tais injunções do mercado da arte, aprofundar qualquer experiência. Isso só será possível quando se compreender a necessidade de enfrentar criticamente o que vem de fora, para aceitá-lo ou refutá-lo. Não se trata, pois, de pretender “uma pintura nacional”; trata-se de, simplesmente, criar condições para a pintura, qualquer que seja, uma vez que ela só surgirá do aprofundamento e da continuidade da experiência. O caminho para isto é voltar-se para o que já foi feito entre nós, ou para o que, lá fora, melhor afina com a necessidade cultural interna e apoiar-se na temática que o país oferece. É preciso agir conscientemente.

GULLAR, Ferreira. Cultura e Nacionalismo. In: ________. Cultura posta em questão. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1965. 9 -11 p. 

22.5.12

Auxílio

Não raro refreamos um vício com o auxílio de outros, só não acabando piores por não sermos melhores. 

16.5.12

12.5.12

Queiroz

Houve uma época da vida em que um poema era para mim uma janela fechada. Ouvia dizer das maravilhas reservadas aos que a descerravam, e não passava disso. Tirar algum benefício deles me demandou não apenas tempo, como esforço. Horas, dias, meses talvez, de leitura vã, sem qualquer proveito aparente. Até que — pimba. Ignoro se por acaso será assim com todos os que não se familiarizam com ela, a poesia, desde a infância. O que agora sei com bastante certeza é que tudo me seria mais fácil tivesse eu começado por aqui.

9.5.12

Previdência

O cúmulo da previdência: uma prateleira com os livros a serem salvos em caso de incêndio. 

8.5.12

Ary


Reza a lenda que Ary Barroso deixou de torcer pelo Tricolor depois que, a seguir a uma derrota, não cancelaram um baile nas Laranjeiras. “Não posso torcer por um time que perde e faz festa, como se nada tivesse acontecido.” Abriram-se, assim, as portas para o Mais Querido. Já um fervoroso rubro-negro, acabou se tornando narrador esportivo. É famosa até hoje sua parcialidade, que chegou a lhe render a proibição de entrar em São Januário, tendo ele que transmitir os jogos sobre o telhado de casas vizinhas ao estádio cruz-maltino. Ary Barroso costumava descrever os ataques contra o Flamengo com um: “Lá vêm os inimigos outra vez. Não quero nem ver”, comunicando os gols adversários sem o mínimo entusiasmo. Isso, claro, quando os comunicava: diz-se que chegou a esconder da audiência algumas derrotas rubro-negras, omitindo gols sofridos. Conta-se ainda que chegava a desmaiar durante jogos decisivos, e que largava a cabine antes do fim do jogo, para comemorar, assim que garantiam a vitória. Num Fla-Flu, foi capaz de apostar o bigode, o qual, com um 3 x 0 contra, foi obrigado a tirar (na foto acima, a prova). Tempos depois, o Flamengo devolve a derrota, com arrasadores 6 x 1. Ary Barroso, então, em crônica no dia seguinte, pede ao ganhador da primeira aposta que raspe a cabeça: “3 x 0 valem um bigode. 6 x 1 valem um cabelo.” Esses exageros à parte, vem aí o maior deles. Convidado pessoalmente por Walt Disney para ser diretor musical dos famosos estúdios, mercê da trilha sonora para uma animação deles, Ary Barroso declina. A razão? A distância que, morando nos EUA, teria do Flamengo.

Antes

Quão saborosa não terá sido a água, antes do primeiro suco. 

7.5.12

Final

O jogo de ontem talvez tenha revelado mais um aspecto da complexa psicologia alvinegra, em parte já bem conhecida de todos. Digo isso porque não tenho esbarrado com reclamações acintosas contra a arbitragem, quando eu, sinceramente, as esperava encontrar: tiveram, além de um jogador expulso (a causa mesma do passeio), o que eles chamariam, em uma final contra o Flamengo, de pênalti não marcado sobre Loco Abreu. A pergunta é: por que o silêncio? Eis uma resposta possível. Não é que não se sintam lesados. É que deixam a exacerbação para ocasiões que lhes permitam a ilusão de superioridade. Tivessem perdido por um 2 x 1 apertado, ou nas cobranças alternadas, e sem dúvida veríamos reeditado o show de anos anteriores. Mas, com um placar daqueles, e com (além do placar) o baile tomado, encolhem-se, limitados a uma e outra insinuação, sempre oblíqua. “Não foi responsável pela derrota, mas atrapalhou o espetáculo.” Que é outro modo de dizer: “Perderíamos de qualquer forma.”  

4.5.12

Prazos

Os prazos são para mim a casca de banana da piada. Quanto mais dilatados, maior a culpa pela certeza prévia de perdê-los. 

Falta

Falta pelo que acordar a quem não tem após o que dormir. 

3.5.12

A desforra das cigarras mágicas

Profecia

Poetas: esperemos com paciência!
Que a Humanidade, um dia, (quase morta,
À mingua d'alma, a Civilização),
Vergada ao peso inglório da ciência,
Há-de vir mendigar à nossa porta
A esmola duma canção!

QUEIROZ, Carlos. Obra poética. Lisboa: Edições Ática, 1984.

Frio

O frio estraga com o maior prazer do carioca, que é se incomodar com o calor. 

1.5.12

Quoque tu, Brute

Recebo de uma amiga o seguinte e-mail: “Gustavo Nagel! Como vai de férias?”. Inocente, adianto que, pelo contrário, a expectativa é de um semestre mais ocupado que os anteriores, listando os porquês. Ao que ela, então, me responde: “Eu me referia ao Menguinho.”