30.11.12

Escrita

As redes sociais tornaram a quase todos, e mesmo aos ímpios entre nós, ao menos em um aspecto semelhantes a São Paulo, acusado pelos coríntios de só ser macho por escrito.

29.11.12

Intermitências

Quem quer que tenha passado por uma graduação sabe que a vida não é um sopro assim tão curto, nem a morte sombra tão iminente, havendo mesmo professores e mais professores que nos acompanham pelos quatro ou cinco longos anos de curso — incólumes, sem nem resfriado.

Precisão

Nunca lhe pediam esmola, graças talvez à cara de quem a precisasse.

28.11.12

De poucos

O Brasil já foi um país melhor. Quando era invisível a multidão dos que o fazem pior.

Hoje

Por (mau) temperamento, a discordância de quem se pergunta à concordância de quem assegura. 

Uma derrota

Talvez só se devesse repudiar o a que se falhasse em aderir, com o máximo de orgulho possível a uma derrota. 

25.11.12

Outro escritor, mesma gente

Disse ter sido Euclides da Cunha nosso único escritor a trocar o conforto do gabinete pela experiência em outro mundo, entre outra gente, — experiência que lhe proporcionou um de nossos maiores livros, — mas por ignorância de outro, nem um pouco menos importante. Só hoje descubro que Grande Sertão: Veredas, a par de outras histórias, nasce de uma expedição de Guimarães Rosa — não por acaso, e eu diria até que de maneira bastante emblemática — por outro sertão, agora o mineiro, no ano de 1952: — uma viagem de 240 km percorridos em dez dias, a cavalo, durante os quais ele observou e anotou a vida e a fala de uma dezena de vaqueiros responsáveis por um rebanho de 300 cabeças. 

23.11.12

Sexto selo

E vi quando abriu o sexto selo, e houve um grande terremoto; e o sol tornou-se negro como saco de cilício, e a lua toda tornou-se como sangue; e as estrelas do céu caíram sobre a terra, como quando a figueira, sacudida por um vento, deixa cair os seus figos verdes. E o céu recolheu-se como um pergaminho que se enrola; e todos os montes e ilhas foram removidos dos seus lugares. E os reis da terra, e os grandes, e os capitães, e os ricos, e os poderosos, e todo escravo, e todo livre, se esconderam nas cavernas e nas rochas das montanhas; e diziam aos montes e aos rochedos: Caí sobre nós, e escondei-nos da face daquele que está assentado sobre o trono, e da ira do Cordeiro. 

— Ap. 6:12-16.

22.11.12

Ou morte

O amor de um gato pelo dono é proporcional à dificuldade deste em resistir à vontade de esganá-lo. É sério: Só um tipo de gente pode lamentar a independência afetiva da maior parte dos felinos, e é quem jamais conviveu com um que não a tivesse.  

20.11.12

Contribuição

A grande contribuição erística da pós-modernidade: a edição de posts

19.11.12

Revisão

Um protestante remisso, que desse como tal mais valor às reabilitações que aos menoscabos.

Insignificância

Cada um de nós deve tanta coisa à internet: amigos, interlocutores, livros, bandas, ódios, que só por isso já ficamos impedidos de um anátema generalizado. Mas há um outro lado dela que, considerado, desanima. É que na internet, apesar de todas as vantagens — de que outra forma ouviríamos música curda? —, alguém como eu — vejam bem: como eu... — pode chamar de merda a qualquer nome mais decisivo da história e receber ainda por cima o endosso de pessoas como vocês. E toda essa nossa insignificância, que era pra ser remoída no anônimo e inconsequente segredo de uma sala de estar, acaba aí sujeita à apreciação de potencialmente toda a gente. — Não que não existam consagrações injustas. Digo apenas que não somos nós os capazes de proscrever quem quer que seja, sendo essa falta de proporção — esse abismo entre a nulidade do que se é e a importância definitiva com que se fala — um espetáculo que deprime. 

18.11.12

Vocação

Você sabe que não tem vocação acadêmica quando, entre outras coisas, nunca lembra de quem disse o que, nem onde. 

17.11.12

Outro mundo, outra gente

Uma das grandes faltas na literatura brasileira é a da generosa contribuição, nela, de espíritos curiosos, aventureiros. Nossos escritores foram sempre raquíticos ou balofos homens de salão, afeitos à segurança cômoda de seus gabinetes. Nunca tivemos um Melville, um Stevenson, um Hemingway, um Conrad e outros cuja fama desconheço. Mesmo o valoroso Alencar, buscando formular seu bem-intencionado indianismo, — e tendo índios ali na esquina —, o fez com um dicionário de tupi sobre a mesa. Mesmo Mário de Andrade, depois dele, pretendendo sua releitura da coisa, tratou de encomendar sua bibliografia etnográfica. Selva nem pensar. Também os escritores que andaram presos, encrencados com a polícia política, não o foram por qualquer ação temerária que tenham praticado, mas pelo que andaram publicando em jornais e revistas, só de onda. Todos frouxos, apáticos. O que é de se lamentar, uma vez que o único brasileiro que levantou o rabo da escrivaninha para uma excursão antes de se pôr a escrever foi justo o autor do nosso livro mais singular, mais desconcertante. É verdade que Euclides da Cunha não foi protagonista de rigorosamente nada — não pegou em armas contra Canudos, mero repórter que era —, mas teve pelo menos o mérito de ser testemunha de um grande e trágico episódio, em outro mundo, entre outra gente. 

Azar

Tão azarado quanto um Cristiano Ronaldo contemporâneo de um Messi.

14.11.12

Desábito

De João Cabral, são famosas a neurastenia, a incapacidade para a música e a fascinação por Sevilha. Menos público, porém, é seu gosto por futebol. Que João Cabral não só apreciava — há poemas muito apropriados sobre o tema, obras de um entendedor —, como praticava. Ainda novo — sendo mais exato, em 35, aos 15 anos —, embora torcedor do América de Recife, chegou a disputar (e ganhar) um campeonato juvenil pelo Santa Cruz, como voltante — cerebral de mais para zagueiro e antilírico em excesso para camisa 10, acabou no meio-termo da cabeça de área. E é àquele América, aliás, que dedica um poema cujos primeiros versos são perfeitos na fixação de qual seja a grande e talvez única vantagem do fracasso esportivo mas não só:
O desábito de vencer
não cria o calo da vitória;
não dá à vitória o fio cego
nem lhe cansa as molas nervosas.

A verdade

Embora os gatos eventualmente perturbem, a maior parte do tempo eles dormem. 

12.11.12

9.11.12

Ilusão

Nem toda indiferença ao dinheiro — essa vulgaridade — é prescindência dele. Melhor dizendo, quase nenhuma. Em boa parte dos casos ela não é mais que o desconhecimento da necessidade de ganhá-lo, somado à virtual inexistência do risco de perdê-lo. Muito semelhantemente à que se tem em relação ao ar, enquanto este não falta.

3.11.12

Culturas

Jardim da Praça da Liberdade

Verdes bulindo.
Sonata cariciosa da água
fugindo entre rosas geométricas.
Ventos elísios.
Macio.
Jardim tão pouco brasileiro... mas tão lindo.
Paisagem sem fundo.
A terra não sofreu para dar estas flores.
Sem ressonância.
O minuto que passa desabrochando em floração inconsciente.
Bonito demais. Sem humanidade.
Literário demais.
..................................

Não é por acaso que cultivamos tanto uma planta quanto o intelecto. Nesse outro poema de Drummond aparece, em contraste com os “pobres jardins do meu sertão” da segunda estrofe, a imagem do “Jardim da Praça da Liberdade”, o qual compunha, segundo o poeta, uma paisagem deslocada, artificial, “sem fundo” e “sem ressonância”, perfeita demais para onde se encontrava, com suas “rosas geométricas” cortadas por águas cuja música vinha em forma clássica e por ventos cuja origem era grega. Um jardim “lindo”, “bonito demais”, ele admite, mas “tão pouco brasileiro”. Jardim sem participação alguma da terra, que “não sofreu” para gerá-lo, e cuja floração se dá, rápida, de modo “inconsciente”. Jardim sem a aspereza do entorno. De uma perfeição fria, distante, pouco humana... Sem consequência, como os períodos do poema, curtos, estanques. Em resumo, um jardim parnasiano. — E, não por acaso, a imagem que serve para essa cultura serve, também, para a outra. Não por acaso, a visão que teve o poeta desse jardim é, de igual modo, a que se teve daquele outro, feito de letras. Para ele, aquele era um jardim demasiado “literário”, como demasiado literária era a literatura que o antecedeu.

2.11.12

Imagem e semelhança

Só conseguiram imaginá-la sucumbindo ao Tentador de tanto verem suas filhas sucumbindo a eles.

Nota

É preciso evitar o conhecimento pela leitura do que quer que a dispense.