O compromisso cristão com a vida foi sempre algo tão sério que, na Idade Média, uma mulher grávida condenada à fogueira só podia ser queimada depois do parto.
18.12.16
16.12.16
Alquimia
Na base do pensamento alquímico estaria a crença de que todos os minérios não passam de etapas interrompidas no longo e demorado processo de chegarem a ser ouro; a crença de que os vários tipos de metais devem a existência ao fato de que, a determinada altura, são impedidos pela extração de alcançarem sua destinação final. O trabalho do alquimista, aliás, seria justamente o de retomar esse processo e, por outras vias que não as naturais, abreviar o arrastado tempo geológico. Impossível tomar conhecimento dessa ideia de finalidade progressiva da natureza sem pensar na forma teleológica de pensamento evolucionista que decorre do providencialismo cristão, uma das ideologias mais fundamentais do Ocidente. Trata-se do mesmo princípio, apenas descolado a outro campo: determinada forma biológica, ou cultural, ou social, ou religiosa, ou estética, ou histórica como ouro, isto é, como ápice em relação à qual todas as outras formas são resquícios de estágios a serem superados. Daí que, se isso faz sentido, toda missão civilizatória deseja reproduzir a tarefa alquímica. Assim como o alquimista ambicionava vencer a defasagem da matéria por meio da ação sobre ela, promovendo pelo próprio esforço a eliminação de um caminho progressivo demasiado extenso, o civilizado precisa fazer o mesmo com o mundo. Transmutar o ferro em ouro, o bárbaro em gente, a barbárie em civilização. Guiar os homens ao estado de perfeição aurífera do qual se encontram privados. O alquimista, “salvador fraterno da natureza”; o civilizado, salvador fraterno da humanidade.
Discursos
Segundo Lévi-Strauss, se o discurso é uma mensagem transmitida por um emissor, o sonho é uma mensagem transmitida por um receptor, e o mito, uma mensagem recebida de emissor nenhum.
Segredo
Os leitores de Jó espalhados no tempo e no espaço compõem uma espécie de maçonaria. E da mesma forma que um maçom não aperta a mão de outro maçom sem que ambos saiam do cumprimento sabendo-se confrades, é simplesmente impossível que um leitor de Jó leia as páginas de alguém que também leu Jó sem que isto lhe seja patente.
Problema
O grande problema que o século XIX viu surgir, resumido por Musset: “tudo que era deixou de ser, e tudo que será ainda não é”.
9.12.16
Caverna
Os historiadores da arte são unânimes em afirmar o caráter mágico da arte rupestre, isto é, em afirmar que o homem paleolítico pintava com a intenção de trazer à realidade, circunstância que explicaria não só o realismo da representação — e não é bonito que algumas das primeiras e mais antigas manifestações artísticas de que se tem notícia sejam “naturalistas”, “fotográficas”? —, como a presença quase exclusiva de alvos e cenas de caça. E tudo isso ganha ainda mais sentido quando se lê, em Eliade, sobre a importância ritual das cavernas. Ora, se a Terra era (e é) compreendida como Mãe, seu interior só poderia ser tomado como ventre. Daí cavernas e grutas serem úteros, as fábricas primordiais de realidades novas.
7.12.16
Estratégica
As pessoas, hoje, se compadecem mais prontamente de animais que de outras pessoas, e, se com facilidade conseguem deixar um semelhante sem comida, já não suportam a ideia de um cãozinho sem xampu. Se não bastasse, um morador de rua cercado de cachorros causa menos indignação do que um morador de rua cercado de filhos. Os filhos acusam a irresponsabilidade, a imprevidência, a bruteza do sexo sem privacidade; enquanto a posse dos bichos, ao contrário, o humaniza, dá testemunho de um coração amoroso, piedoso, solidário. Além do mais, como as pessoas cada vez mais deixam de ter filhos e os substituem por animais de estimação, é muito natural que se identifiquem mais com as lutas de quem tem um cão do que com as lutas de um progenitor. Se eles não querem filhos com que gastar, como vão gastar com os filhos dos outros? Mas a experiência de tirar do desamparo um vira-latinha eles não só a conhecem muito bem, como a consideram a mais digna de recompensa. Ainda mais se a pessoa que o fez não tem o suficiente nem para si. “Precisamos ajudá-lo!”
4.12.16
Reconhecimento
De acordo com o etnógrafo Marco Antonio Gonçalves, para os pirahã, “as coisas não são feitas de uma só vez: passam por etapas, testes e experimentações até atingirem o que são.” Até mesmo Igagai, responsável pela organização do mundo, faz experimentos. Implícito nessa concepção de criação está o risco sempre grande de insucesso. Por isso, dão muita importância ao fazer vagarosamente (maihege) — equivalente a fazer bem-feito —, em oposição ao fazer apressadamente (aiboge) — o mesmo que fazer malfeito. Para os pirahã, eles mesmos fazem as coisas apressadamente, e por isso deixam marcas de imperfeição em tudo. Já os seres sobrenaturais trabalham com vagar, e por isso produzem coisas bem-feitas: “Igagai faz o sol devagar, Apapiuepe faz as estrelas devagar”. Para os pirahã, só existe um outro povo sobre a terra que sabe fazer as coisas tão vagarosamente quanto os seres sobrenaturais, e esse povo não é senão o povo “diaponeso”. Isso mesmo, o povo japonês. Segundo Gonçalves, os pirahã atribuem aos japoneses qualquer produto considerado bom — uma boa máquina fotográfica, um bom gravador, um bom motor de popa —, porque só os japoneses sabem fazer as coisas bem-feitas. — Mas como? Como uma tribo amazônica pôde chegar a ter os japoneses em tão alta conta? O etnógrafo esclarece: os pirahã são uma tribo bastante acostumada a lidar com antropólogos e até mesmo com missionários. Já tiveram entre eles diversos pesquisadores norte-americanos e brasileiros, e uma vez receberam a visita de uma equipe de TV japonesa. A impressão que os japoneses deixaram nos pirahã foi tamanha que, de acordo com Gonçalves, eles chegaram mesmo a criar um mito de origem a partir desse encontro — desse reconhecimento —, que se deu na década de 80. Segundo os pirahã, no princípio de tudo japoneses e pirahã formavam uma única sociedade. Em determinado momento, porém, alguns conflitos dividiram essa sociedade em dois grupos. Um dos grupos ficou onde sempre esteve, enquanto o outro saiu vagando pelo mundo, até se fixar em local muito distante. O grupo que permaneceu deu origem aos pirahã, o grupo que partiu deu origem aos japoneses. Ao longo do tempo, os japoneses foram fazendo muitos experimentos, até que aprenderam a fazer as coisas vagarosamente. E é por isso que tudo que os japoneses fazem, hoje em dia, é muito bem-feito.
Modelo
O que é o Livro de Gênesis, senão a crônica de uma família ao longo de várias gerações? E, como tal, poderia ser outro o modelo (primitivo) para o tipo de romance que tem numa família o grande personagem? Devia ser tamanha a convivência dele com o texto bíblico, que o mesmo Thomas Mann que estreia na literatura, em 1901, com Os Buddenbrook: decadência de uma família vai escrever depois, em 4 volumes publicados durante 16 anos, José e seus irmãos.
24.11.16
Memória
Passei quase toda a minha vida sem conhecer o sentido daquela que é uma de minhas memórias mais antigas, sem nem desconfiar do que poderia ter acontecido aquele dia, em que saímos de casa para uma festa e voltamos de um velório. Sei que íamos eufóricos. Pelo caminho, todas as ruas estavam decoradas e cheias de gente que gritava, acenava, soltava fogos. Chegados ao destino — uma vila, na qual uma pequena multidão de pessoas mais ou menos familiares umas às outras se confraternizavam no que só podia ser um churrasco —, fiquei todo o tempo correndo com as outras crianças, como sempre desatento ao que se passava. E tudo corria bem até que, quando dei por mim, vi na cara dos adultos que alguns haviam chorado. Notei de repente que a música também já não existia, e que as pessoas que antes só se falavam aos berros agora estavam caladas. Os poucos que ainda falavam, falavam muito baixo, e já ninguém ousava se encarar. Sei que fomos nos despedir com o abraço apertado dos pêsames. Também eu assim fazia, decorosamente, mas sem a menor ideia de por quê. As pessoas se consolavam, se diziam que tudo ia ficar bem. Na volta para casa, as mesmas ruas agora estavam desertas. Já não se via ninguém, nem cães vadios. Poucas vezes antes ou depois tive a incômoda experiência de estar no único carro que vaga silencioso pelas ruas. Sentia-se no ar que algo de muito grave tinha acontecido. Algo que eu, em todo caso — ou porque quiseram me preservar, ou porque fui incapaz de compreender —, sempre ignorei. E assim eu cresci, acompanhado pela sombra desse dia. Até que, já adulto, uns vinte e poucos anos mais tarde, assistindo desatento a um telejornal qualquer, me vejo informado sobre os efeitos da tragédia que se abateu sobre o Brasil na tarde de 24 de junho de 1990, quando, nas oitavas de final da Copa da Itália, fomos eliminados pela Argentina. Eu tinha então cinco anos.
13.11.16
Problema
O problema nem foi terem levado todo o ouro. O problema foi terem trazido os prejuízos de o não ter.
Irreversível
Regula Emblematica Sancti Benedicti, 1780. |
A ideia de honra esteve sempre muito relacionada à irreversibilidade dos meios com os quais se vivia. Uma palavra ouvida nunca pôde voltar a não ter sido pronunciada, nem um gesto testemunhado chegou alguma vez a ser desfeito; tampouco era possível ignorar a marca feita em uma pedra, ou apagar a tinta lançada sobre um material poroso. Hoje, porém, a rede permite que tudo seja editado, ou mesmo excluído. Mas, como precisamos manter as coisas como elas sempre foram, eis que fizeram o print, o histórico de alterações. Tudo precisa continuar definitivo, mesmo podendo já não ser. Aliás, não é por acaso que um dia do juízo seja a grande expectativa de religiões constituídas justamente em torno de livros — essa grande ferramenta de perpetuação das coisas humanas —, e que esse grande dia seja compreendido como o dia em que todos os atos e palavras dos homens serão lidos publicamente.
10.11.16
Opção
A qualidade do banquete muitas vezes compensa toda uma vida de migalhas. Comia-se muito melhor na escravidão do Egito do que na liberdade do deserto.
Mérito
O maior mérito do cristianismo — aquilo que o distingue para melhor de religiões em tudo o mais idênticas — é a capacidade de ostentar como vitórias do cristianismo as consequências mais irreversíveis das grandes derrotas do cristianismo. Assim, retrospectivamente, houve sempre ao menos um herói cristão a vencer batalhas contra o próprio cristianismo. E um novo verdadeiro cristianismo nunca deixou de sair vitorioso das derrotas de qualquer velho cristianismo verdadeiro.
Diferença
Como o esquerdismo sabe inconscientemente que é o Mal, seus agentes precisam se fazer passar por anjos de luz. Já na direita, dona de ideias tão indispensáveis, ninguém precisa deixar de ser o cretino mais ostensivo pra se tornar alguém digno de crédito.
9.11.16
Inutilidade
A inutilidade dos gestos alheios, diante da qual não apenas não desconfiaram da inutilidade dos próprios gestos, da inutilidade de todos os gestos, como conseguiram ainda os considerar fundamentais: então falta sentido a todos os gestos que não são os nossos... De onde a generosidade com que empenharam a vida a se fazerem imitados.
Apaziguador
O grande apaziguador de consciências terá como missão garantir que a superioridade do Ocidente resta quando menos em haver entre os ocidentais aqueles que se considerem os mais abjetos entre os homens. E que para a importância dos outros falta ainda quem a questione. E que ter inventado a culpa já redime de tê-la sempre em grande escala.
15.9.16
Coadjuvantes
Nem sempre Deus pretende ensinar algo a todo aquele contra o qual se volta. A história de Jó assegura que alguns são atingidos só para que a lição seja possível a outros. Sete filhos homens e três filhas mulheres soterrados, apenas para que Jó aprendesse. Mesmo entre os sofredores a maioria é de coadjuvantes.
27.8.16
Problema
O Livro do Gênesis é todo ele sobre o problema com o pai. O pai cobrando obediência aos filhos, no primeiro jardim da infância, e os filhos que o desobedecem pela primeira vez caindo na vida autônoma. O irmão que mata o outro irmão ao ver-se preterido pelo pai. O filho que é amaldiçoado por revelar a nudez do pai aos irmãos. O filho que deixa para trás a casa do pai para confirmar no mundo a própria descendência. O pai que abandona à morte um filho e desiste na última hora de se livrar do outro. As filhas que faltando a mãe embriagam o pai e se deitam com ele. O irmão que engana o irmão em busca da prioridade do pai, o mesmo que se faz passar pelo outro filho a fim de receber a última benção paterna. O filho preferido pelo pai que é vendido como escravo pelos irmãos. Acaba o Gênesis, e logo o Êxodo começa com o filho que é criado como adotivo pela própria família.
23.8.16
Mérito
Um grande mérito das monarquias, talvez mesmo o maior, é que os povos sempre mataram mais os próprios reis do que nós matamos nossos presidentes.
16.8.16
12.8.16
Psicologia
Nada permanece novo por muito tempo, razão por que mesmo o conservadorismo se atualiza, pela incorporação de inovações assimiladas: o conservador é sempre mais parecido com os contemporâneos dos quais pretende se diferenciar do que com os antecessores dos quais se quer um continuador. O que os conservadores realmente conseguiram preservar de mudança, e de maneira até assustadora, é certa psicologia. De acordo com James Frazer, “qualquer novidade é capaz de suscitar o espanto e o pavor do selvagem”.
Adesão
A eficácia de um pregador (científico, político, estético, religioso) já não depende da qualidade dos sermões proferidos, e sim da maior ou menor adesão prévia dos ouvintes. Hoje em dia já nenhuma pregação converte, apenas confirma.
*
No campo ideológico, já não há tal coisa como povos não alcançados. Nossos missionários não têm senão membros de igrejas para disputarem entre si.
9.8.16
Menos
O excesso de opções paralisa. Daí a importância da adesão aos preconceitos de grupo, essa forma tão estúpida quanto eficaz de reduzir a angústia das escolhas por meio do estreitamento da vista. O que se ganha com descartar de antemão todo um mundo de possibilidades as mais legítimas, por uma questão de princípios arbitrários só racionalizados a posteriori, senão o conforto ilusório de se estar abrindo mão de menos?
8.8.16
Sobreviver
Canetti chama a atenção para o fato de que, segundo seus respectivos mitos, um número muito significativo de povos alega descender de sobreviventes, seja de uma guerra, seja de uma catástrofe natural, seja de uma doença. Por exemplo, segundo os judeus, a humanidade descende da família de Noé, sobrevivente de um dilúvio; segundo Virgílio, os romanos descendem de Eneias e outros sobreviventes da guerra de Troia; os kutenai — nativos do continente norte-americano —, por sua vez, têm como ancestrais os poucos sobreviventes de uma epidemia, e assim por diante. E não se furta de lembrar, mas muito a sério, que cada indivíduo é, pelo simples ato da concepção, um sobrevivente entre milhões. De modo que sobreviver é, para Canetti, o sentido fundamental da existência — a vontade de poder nietzschiana, o instinto de autopreservação dos naturalistas e sei lá mais o quê: para ele, tudo seria mais plenamente compreendido pela mera vontade de fazer-se o único a permanecer com vida sobre uma pilha de cadáveres.
Abertura
Fossemos menos vulneráveis, e talvez pudéssemos nos permitir alguma abertura a estranhos. Por outro lado, nenhuma cidade está efetivamente aberta enquanto não caem seus muros.
6.8.16
Olimpíadas
Ainda que não tivesse qualquer outra utilidade, a coisa serve ao menos para isso: reunir em um mesmo lugar a maior diversidade possível de rostos e talhes dentre os que existem espalhados pelo globo. Em meio a tanto efeito de gosto tão duvidoso, algo que indiscutivelmente admira: o cortejo dos mais variados tipos humanos, cada grupo observando uma ideia toda particular de elegância.
Ultraje
Não ser mais quem já se foi não é o bastante: segundo Whitman, é preciso ainda abandonar pelo caminho os cadáveres do antigo eu e só voltar a observá-los de longe. A quase totalidade das pessoas, porém, não só não se livra jamais desses cadáveres de si, como faz do seu ultraje a única razão de continuarem existindo.
Tecnologia
A leitura de McLuhan sugere toda uma compreensão alternativa da história das ideias. Por exemplo: do ponto de vista das novas tecnologias (que, segundo ele, são em si o próprio conteúdo), seria impossível que a invenção da palavra impressa não acarretasse algo da natureza de uma Reforma Protestante; assim como a superação dessa mesma palavra impressa como meio mais abrangente de comunicação — pelo rádio, pela televisão, pelo cinema, pelo telefone — não se daria sem acabar impondo um caráter marcadamente reacionário a parte considerável dos escritores modernos, a começar pela opção por um meio defasado.
2.8.16
Intimidade
“Um nativo — o único alfabetizado de seu grupo —, falando da sua função de leitor de cartas para os outros, disse que se sentia impelido a tapar os ouvidos, durante a leitura, para não violar a intimidade das cartas.”
Semelhança
Uma das maiores diversões que a leitura de Eliade proporciona é a de tornar possível a quem o lê a identificação no homem hipercivilizado do Ocidente e suas margens, em meio a tanta pretensão de superior racionalidade, a permanência daqueles mesmos hábitos mentais que eles só poderiam considerar supersticiosos e desprezar como primitivos. E isso porque acabo de topar com esse trecho dos Comentários Reais, crônica seiscentista da realidade nativa do Peru pré-colombiano, onde o autor descreve a postura dos índios peruanos com relação a tudo que dizia respeito à cidade de Cusco, capital do império Inca, — postura na qual fica muito reconhecível a da boa gente brasileira, bastando que se troque Cusco por uma e outra capital europeia:
Era de tal maneira sua adoração [por Cusco], que a demonstravam mesmo nas menores coisas: se dois índios de igual condição se encontravam no caminho, um deixando a cidade e o outro chegando até ela, o que a estava deixando era respeitado e acatado pelo que estava chegando como o superior o é pelo inferior, e isso apenas por ter estado na cidade, quanto mais se vivesse próximo a ela, ou mesmo se dela fosse natural. De igual modo se dava com as sementes e os legumes, ou qualquer outra coisa que levassem de Cusco a qualquer outro lugar; porque, mesmo que não se avantajasse em qualidade, só por ser daquela cidade era mais estimado que os de outras regiões e províncias.
26.7.16
Dinâmica
Uns têm virtudes e defeitos. E precisam ser colonizados por causa dos defeitos. Outros têm virtudes e defeitos. E podem colonizar por causa das virtudes.
21.7.16
Tempo
Ninguém conhece melhor a insuficiência do tempo que o desocupado. Nenhuma porção de tempo é mais insuficiente que a porção completa. É possível fazer algo de útil no parco tempo livre entre uma ocupação desnecessária e outra: impossível fazer algo de útil com todo o tempo livre. As vinte e quatro horas de um dia são tanto mais curtas quanto menor o número de compromissos ao longo delas. Quanto mais horas dedicadas aos interesses alheios, mais pronto alguém estará de aproveitar o esgotamento da folga. Em relação ao tempo, só é possível tirar proveito das migalhas: a visão de um banquete enfastia. A pessoa desocupada se torna muito sensível à mera ideia de ocupação. Pensar em ter que fazer inutiliza de modo cabal o não fazer nada. É preciso não dispor de tempo para ser possível a ilusão de que há maravilhas a serem feitas com ele. Do contrário logo se percebe que é igualmente desperdício não desperdiçá-lo. Não dedicar tempo ao que não interessa, aliás, priva de se achar o que interesse. O tempo livre clama por mais tempo livre. As vinte e quatro horas de um dia exigem a vigésima quinta hora a fim de se permitirem proveitosas.
18.7.16
Sebo
As pessoas já não frequentam estabelecimentos desse tipo, por isso cada vez mais raros. Se querem um livro, mesmo esgotado, elas o encomendam pela internet e o aguardam ser entregue pelos correios. Já não sabem o que é caminhar por entre livros desconhecedores do que terão pela frente. Chegaram finalmente a reproduzir com o livro usado a relação prática e sem mistério que estão acostumadas a ter com tudo: devolveram o livro usado ao universo impessoal do catálogo, do estoque. E isso quando, mais até do que livros, o que lugares como esse tinham a oferecer era certo tipo de experiência: a experiência da oportunidade quase única, do encontro talvez irrepetível, da convergência imponderável dos fatos.
14.7.16
Suspeita
Muito de vez em quando me inquieta a suspeita de que, se em determinada altura da vida optei por literatura, foi porque as obras literárias em geral custam menos do que as filosóficas ou teológicas, e de que se me mantive um desconhecedor quase completo de literatura contemporânea, movida a lançamentos, não foi senão porque as edições populares dos clássicos custam relativamente pouco.
11.7.16
Razões
É possível abandonar o cristianismo pelas mesmíssemas razões que conduziram até ele. Por exemplo, a inadaptação à vida.
5.7.16
Romantismos
A imagem que fazemos do romantismo — a arte enquanto expressão, a luta do sentimento contra convencionalismos artísticos e sociais, e coisas do tipo — é, de certo modo, um estereótipo devido, em grande parte, ao enorme impacto de um movimento artístico pré-romântico alemão chamado Sturm und Drang, que antecede em algumas décadas a primeira geração alemã propriamente romântica, a primeira geração alemã que se autointitula romântica — a do grupo de Jena, composto por Novalis e os irmãos Schlegel, os quais eram, bem ao contrário daqueles primeiros, até bastante racionais, reflexivos, dedicados ao estudo dos clássicos e a um rearranjo de toda a tradição. E isso logo nos faz pensar no Machado de Assis que a gente cresce ouvindo dizer que era romântico nos primeiros romances e realista nos romances da maturidade, quando a verdade é que nada mais próximo ao ideário — romântico — do grupo de Jena, com seu tão referido conceito de ironia, do que — pasmem — o Machado de Assis autor de Brás Cubas.
20.6.16
Inútil
Gostamos de ver na cegueira de Homero, claro que não sem razão, a metáfora de uma visão especial, superior, exclusiva. Mas há quem perceba nela o estigma fundamental do artista, convertido depois em preconceito no fundo jamais superado. Hefesto, outra figura de artífice do antigo mundo grego, também leva consigo a marca da limitação física. Fica parecendo que, para os primeiros homens, só poderiam se dedicar a esse tipo de mister aqueles incapacitados para outros, mais concretamente úteis, como por exemplo a guerra.
Proeza
Não é por acaso que somos absolutamente incapazes de amadurecimento: Adão e Eva, nossos primeiros pais, já nasceram adultos; nunca tiveram de cruzar o árduo caminho que vai da infância à vida adulta, o qual tornaram, com isso, intransponível, já que não nos legaram os meios inatos de fazê-lo. Para piorar, Cristo, o segundo Adão, de quem poderíamos aprender pelo exemplo, se é verdade que nasceu ainda um bebê, só voltou a nos ser apresentado já homem feito. Sobre como conseguiu a proeza de chegar aos 30 sem continuar nos 15, nós jamais saberemos.
Fronteiriço
A Comédia é um poema essencialmente medieval, que no entanto já carrega em si a marca do espírito renascentista, a começar pela orientação de Virgílio. Da mesma forma que o Quixote é um livro dedicado a uma instituição medieval, que presta no entanto o serviço de testemunhar o nascimento do homem moderno e sua crise. Curiosa ambiguidade, esse pertencimento a dois mundos (um que se abre, outro que se fecha), a dupla natureza obsoleta e atual desses livros.
20.5.16
10.5.16
Nem todos
Nem todos os cães ladram enquanto a caravana passa. Eu sou um que, por exemplo, mal a observa.
1.5.16
Otimismo
Considerar a vida um labirinto é já um grande otimismo, porque pressupõe a existência de ao menos um caminho, ainda que inencontrável.
30.4.16
Distância
Houve um tempo em que as pessoas estavam a tal ponto ligadas umas às outras, que dos gestos daqueles que ficavam dependia inteiramente a sorte daqueles que partiam. Houve um tempo em que nem mesmo a distância podia contra a eficácia dos gestos humanos. Houve um tempo em que a distância sequer existia.
17.4.16
Sono
Segundo o mito de criação dos nandi, um povo do Quênia, o indício de que os seres humanos eram maus, mesmo antes de iniciarem a carreira de maldades que mais tarde os caracterizaria, era a capacidade que sempre tiveram de se mexer durante o sono. “Que tipo de criatura é o homem? Ele consegue se virar de um lado para o outro mesmo enquanto dorme.”
12.4.16
Dilema
Sempre que se dirigiam a Cristo com uma questão que, pela forma redutora como era apresentada, só lhe possibilitava duas respostas, ambas em todo caso insuficientes, ele saía-se invariavelmente por uma terceira via alternativa. Apedrejar a mulher adúltera, sim ou não? Pagar tributo a César, sim ou não? Guardar o sábado, sim ou não?... Dentro do rol das grandes lições evangélicas mais desperdiçadas, eu acrescentaria ainda esta: não ceder à imposição de dilemas.
2.4.16
Máxima
Autor de um livro de máximas intitulado Poesias, Isidore Ducasse, também conhecido como Conde de Lautréamont, assim as explica:
A máxima não precisa dela para se provar. Um raciocínio exige um raciocínio. A máxima é uma lei que encerra um conjunto de raciocínios. Um raciocínio se completa à medida em que se aproxima da máxima. Tornado máxima, sua perfeição rejeita as provas da metamorfose.
1.4.16
Jó
O Livro de Jó talvez marque o momento exato em que surge, no pensamento judaico, a crise que o conduz à necessidade de uma perspectiva escatológica. Até então, o que eles tinham era a vida, regulada pela Lei em cada um de seus aspectos, mesmo mais corriqueiros, e ao longo de todas as suas fases, do berço ao túmulo. Mesmo o paraíso com que contavam era de natureza geográfica. Até que surge, para a sensibilidade de alguns, o escandaloso descompasso entre justiça pessoal e bem-aventurança: os justos eventualmente sofrem; os ímpios na quase totalidade dão-se bem. Ora, Deus onde está, que não recompensa os homens segundo a vida que vivem? Mais: um Deus que assim o faz pode ainda ser considerado justo? Os responsáveis pela tradição apressam-se com os panos quentes, mas em vão. Mesmo a submissão vai agora cheia de uma perplexidade inevitável, dada a carteirada de Deus: “Onde vocês estavam quando Eu criei o mundo?” Para o impasse, uma solução possível: a ressurreição dos justos para a vida, a dos ímpios para a morte. O céu. O inferno.
29.3.16
Caixa-preta
Também ao que se passa no coração dos homens só se costuma ter acesso a seguir a algum desastre.
26.3.16
Da coerência
Vivemos às margens de uma cultura que já foi capaz de punir com a morte tentativas falhadas de suicídio.
24.3.16
Sade
Entre os muitos autores franceses aos quais Nietzsche vivia fazendo referência, não lembro de ter encontrado o nome do Marquês de Sade. Mas, concluindo-se a leitura de seu A filosofia na alcova, resta evidente que a “transvalorização de todos os valores” proposta pelo alemão teve nele um precursor. O livro em questão é, na prática, um catecismo invertido, um manual de valores cristãos revirados ao avesso. Um resumo possível das lições morais de Dolmancé à jovem Eugénie é o seguinte: tudo quanto o cristianismo elogia deve ser repudiado, assim como deve ser defendido tudo quanto o cristianismo combate. Com essa possível diferença: enquanto o francês o faz baseado na sua visão de natureza, Nietzsche o faz nalguma espécie de idealização da nobreza. Sade quer a inversão do que chama de preconceito moral cristão porque os homens não passam de animais; Nietzsche a vai querer, depois, porque talvez pudessem chegar a ser deuses. Em todo caso, ainda mais interessante do que essa inversão moral defendida por Dolmancé é o seu método argumentativo. No referido livro, Sade põe na boca do preceptor de Eugénie, a par do naturalismo mais consequente, argumentos de cunho eminentemente antropológico. Está certo que a moral deve basear-se de maneira positiva na natureza humana, e que toda e qualquer moral que vá de encontro aos seus impulsos é uma moral preconceituosa, baseada em superstições religiosas. Porém a forma encontrada por Dolmancé para certificar-se de que a condenação a determinados atos por parte do cristianismo — tais como o incesto, a homossexualidade, a poligamia — era arbitrária foi apontar sua aceitação nas culturas mais diversas, espalhadas tanto no tempo quanto no espaço: afinal, um ato não pode ser contrário à natureza humana se foi, ou ainda é, não apenas praticado como encorajado por essa ou aquela parcela da humanidade. Em Sade, o relativismo cultural apenas intuído por Montaigne aparece já, talvez pela primeira vez, como programa. O raciocínio que Montaigne faz com certa timidez, almejando quando muito uma defesa, ou compreensão, da moral indígena do Novo Mundo, Sade o faz em desafio ostensivo à moral europeia: “Por causa dessas diferenças puramente geográficas [e também temporais, já que são frequentes as menções à Antiguidade], pouco caso devemos fazer da aprovação ou do desprezo dos homens, sentimentos ridículos e frívolos acima dos quais nos devemos situar.”
5.3.16
24.2.16
Comprovação
Uma comprovação de que o desafio de uma perspectiva cultural não evolucionista é realmente uma forma viável de escapar à redutora disputa entre conservadorismo e progressismo foi o fato de Lévi-Strauss, um de seus proponentes mais reconhecidos, ter, ao longo de toda a carreira, as ideias combatidas tanto por conservadores quanto por marxistas, uma vez que ele tanto (segundo aqueles) diminuía as conquistas da civilização ocidental ao equipará-las quase patologicamente a toda sorte de selvageria, quanto (segundo estes) deslegitimava as forças revolucionárias do progresso que pela primeira vez se voltavam contra as injustiças de classe. Quer dizer: enquanto todos a seu redor se estapeavam buscando definir onde afinal residiria a superioridade da civilização europeia, se em seu passado ou em seu futuro, Lévi-Strauss sugeria que, diante de tudo que ainda se podia saber a respeito de uma série quase extinta de outras culturas, tal superioridade fosse ilusória, porque relativa.
21.2.16
Alternativa
Enquanto os estudos etnológicos caminhavam a passos largos rumo à superação definitiva do evolucionismo cultural (que é a ideia de uma contínua progressão cultural desde o homem primitivo até o europeu moderno; a ideia de que tudo que não seja a moderna sociedade europeia é o resquício de um estágio evolutivo já ultrapassado, uma forma de atraso), iam surgindo as grandes teses marxistas, freudianas (A origem da família, da propriedade privada e do estado; Totem e tabu; O futuro de uma ilusão), todas fundamentadas nesse mesmo evolucionismo cultural que a antropologia chegaria a desautorizar. E essa circunstância demonstra como a antropologia é, assim, uma alternativa efetiva, não abstencionista, ao cabo de guerra entre conservadorismo e progressismo, ambos nascidos de uma mesma ideia unilinear de progresso cultural, apenas disputando entre si sobre onde afinal encontrar-se-á o ápice, se no passado ou futuro da história europeia.
20.2.16
Explicado
É impossível tomar conhecimento de que a primeira população não-indígena do Brasil foi composta, ao longo de todo o século inicial de colonização, quase exclusivamente por degredados — isto é, por gente criminosa literalmente corrida da Metrópole — sem afinal achar que fica tudo explicado. Tal associação entre a má qualidade moral de ontem e a de hoje nos é tão tentadora, que não dá espaço para a mínima suspeita quanto à natureza do código penal então vigente e nossa absoluta desconformidade em relação a ele; e tão conveniente, que até nos impede de lembrar que, desde o nosso ponto de vista, poucas coisas na história da humanidade conseguem parecer tão estúpidas quanto o modo de pensar do contrarreformismo ibérico: pois se para nós, hoje, criminoso é o homicida, o violador, o ladrão e outras figuras que tais, para a coroa portuguesa do séc. XVI era igualmente criminoso — por isso digno igualmente de degredo — o homem que dizia mal da igreja, a velha analfabeta que tinha visões e prometia feitiços, a mulher casada que se deitava com um vizinho, o cristão-novo que persistia em não comer carne de porco...
8.2.16
Valorização
A valorização do reles, na arte como um todo, foi uma contribuição da estética realista. E não passa o impressionismo, sobretudo em pintura, do realismo levado à última consequência do instante. Van Gogh não chegou exatamente a ser um impressionista — estava já na fronteira do expressionismo —, mas sempre orbitou intelectualmente o movimento, além de ter sofrido muitas influências comuns, uma das quais ele revelará a seguir. Como consequência disso, tirando o sol e o céu estrelado, o holandês só teria olhos para coisas insignificantes: quando não camponeses jantando, ou cochilando, ou trabalhando, um par de botas rotas, um quartinho qualquer... E tudo isso porque, segundo ele: “Ao estudarmos a arte japonesa, veremos então um homem incontestavelmente sábio, filósofo e inteligente, que gasta todo o seu tempo de que forma? Estudando a distância que separa a terra da lua? Não. Estudando a política de Bismarck? Não. Apenas estudando uma folha de capim.”
21.1.16
Dinossauro
Vieira gasta não sei quantos sermões ameaçando de inferno a negligência e a corrupção das mais altas autoridades do Império, sempre em vão. Igualmente em vão, gasta não sei quantos outros com a mesmíssima ameaça, agora contra a gente qualquer da colônia portuguesa no Brasil. O que isso significaria, senão que toda essa gente sua contemporânea — eclesiástica inclusive — já não estava nem aí para isto de comparecer, naquele Último Dia, ante o Juízo de Deus? Sendo assim: Vieira como índice, também, daquilo que já NÃO se acreditava no século XVII. Muito se fala do Vieira homem à frente ou máximo representante do seu tempo. Mas talvez seja possível, ainda, falar do Vieira dinossauro, verdadeiro Dom Quixote da visão medieval do mundo.
Compensação
Maradona ficou famoso pelo hábito de driblar meio time adversário. Mas vocês reparem na quantidade de vezes em que o argentino precisou driblar cinco ou seis marcadores pelo único motivo de ser absolutamente incapaz de utilizar a perna direita para qualquer outra função que não fosse a de mísero apoio. E se todo o virtuosismo de Maradona nos dribles não foi senão uma compensação a uma grave limitação técnica?... Tal suspeita quase nos obriga a especular que, se essa limitação não existisse — isto é, se Maradona fosse minimamente capaz de tocar, lançar e chutar com a perna direita, como tantos e tantos jogadores —, ele muito possivelmente não teria feito cerca de dois terços daquelas jogadas improváveis que tanto o celebrizaram. Se há sentido nesse raciocínio, então Maradona é um exemplo de pessoa que teria sido pior se fosse melhor — exemplo de pessoa que não teria chegado a gênio se tivesse ao menos consigo ser medíocre.
6.1.16
Benefício
Entre os benefícios da morte está o de garantir a circulação de certos livros. Ou ainda: o que seria dos sebos sem as viúvas?
Princípio
Da Legenda de São Francisco de Assis, de São Boaventura: “De tanto remontar à origem primeira de todas as coisas, sentia por elas um afeto irreprimível. A todos os seres, por mais insignificantes que fossem, aplicava o doce nome de irmão ou irmã, pois sabia que todos procediam dum mesmo princípio.” E isso a propósito da importância do santo na passagem da arte gótica para a renascentista, por intermédio de Giotto, assim explicada por Juan de la Encina, em La pintura italiana del Renascimento:
O sentimento místico da natureza que Francisco de Assis revelou e propagou pelos vales e montanhas da Úmbria parece ter contribuído para a aparição do chamado realismo artístico em seu século e no seguinte [XIII e XIV] e, com isso, dos primeiros vislumbres da pintura paisagista e, ao mesmo tempo, da representação não simbólica mas real dos animais e da contemplação estética da vida cotidiana. De maneira que a revolução espiritual que trouxe o franciscanismo repercutiu de múltiplas formas na nova concepção artística que, em oposição ao bizantinismo abstrato e formular, reclamava tacitamente o direito à representação da vida ou da realidade em toda sua extensão e intensão.
Livros
Se alguém ainda recorre a Gide, é por causa dos diários, mesmo havendo ele publicado inúmeros livros, então, do maior interesse. Quase o mesmo com seu contemporâneo Jules Renard, com a diferença de que os livros deste nunca marcaram época. Renard repete o caso de Amiel, outro escritor que teria desaparecido sem as páginas dos diários. Indo mais longe, Pascal se tornou clássico pelas notas que tomou para um livro que não chegou a escrever. Quase como Joubert, que, sem ter publicado coisa alguma em vida, é igualmente conhecido, hoje, pela publicação póstuma das notas que foi acumulando, só que sem plano algum de obra futura. Além desses, os escritores de um único livro indefinidamente aumentado em sucessivas reedições — livros utilizados como meros suportes para textos avulsos, sem nenhuma dependência entre si: Montaigne, La Bruyère, La Rochefoucauld...
Proclamação
Os missionários chegavam às aldeias do Novo Mundo proclamando, entre outras coisas, a ressurreição dos mortos, a imortalidade em Cristo. E algumas tribos se impressionavam tanto com o negócio, que logo matavam os missionários e ficavam esperando.
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