24.3.15

A vidinha como ideal

No primeiro capítulo do romance, Robinson Crusoé aparece um misto de Filho Pródigo com Jonas, que decide abandonar a casa paterna para se aventurar pelo mundo, levando desgraça a toda uma embarcação com sua presença, já que chega até ela depois de o pai lhe assegurar uma vida de infortúnio caso se negasse a cumprir o fácil destino que lhe estava reservado. E que destino era esse? O da mediocridade burguesa, elevada aí a verdadeira sabedoria, a verdadeira bem-aventurança. Assim como Jonas carrega consigo o naufrágio quando desobedece a Deus e foge, da mesma forma Robinson Crusoé desperta a ira divina ao rebelar-se contra a tranquilidade inócua de sua arqui-invejada “condição média”, e isso em troca ou “dos sofrimentos e das asperezas, dos trabalhos e das dores da fração mecânica da humanidade”, ou “dos embaraços que o orgulho, o luxo, a ambição e a inveja podem trazer para a camada superior”.

20.3.15

Amizade

A amizade não foi inventada contra a solidão mas contra o ridículo. A grande atribuição do amigo, a única absolutamente indispensável, é rir com você de quem ri de você.

12.3.15

Imitatio

Por que a história do cristianismo é tão pródiga em movimentos refratários à autoridade religiosa, invariavelmente fundamentados em hermenêuticas legitimadas pela relação toda especial do insubmisso com Deus?

Porque os cristãos foram chamados à imitação de Cristo.

11.3.15

Nada melhor

Contra o ridículo em nome de uma ideia, não se pensa em nada mais eficiente que o ridículo em nome da contrária.

6.3.15

Motivo ideal

Acabar com a barbárie alheia foi sempre o motivo ideal para a imposição da própria. 

Divergência

Ninguém discorda que a desigualdade seja a causa principal da violência no Brasil. Se alguma divergência ainda existe, é apenas quanto ao que afinal precisaria ser exterminado, se a pobreza ou os pobres.

Privilégio

De todas as privações que o grosso da população brasileira padece desde o princípio, aquela menos contemplada por todos os governos, que até hoje nada fizeram no sentido de remediá-la, é a de se livrar do país. Entre as muitas coisas das quais nossos pobres estão impedidos, escapar ao Brasil lhes é sem dúvida a mais distante. Além do acesso amplo e irrestrito a qualificação profissional, a ensino superior, a tratamento médico, a moradia e a saneamento básico, à totalidade dos pobres falta ainda a liberdade em relação a onde nasceram. Convém, e com urgência, que as autoridades busquem uma solução para todos os brasileiros que, apesar de asfixiados pelo país, não disponham das condições para trocá-lo. Nossa justiça social não estará completa enquanto essa triste realidade não for mudada. Desertar não pode ser para sempre um privilégio.

1.3.15

Aventura

O máximo de aventura a que se permitiu na vida foi ir de ônibus aonde teria chegado de metrô.