19.2.13

Segredo, ou: resposta às tias

Não há limite para os sonhos — daqueles sem hora para acordar.

Ansiedade

Terminada a tão proveitosa leitura de um volume sobre a interpretação dos sonhos, nunca mais dormiu. 

14.2.13

Além

Não há rigorosamente nada errado com as renúncias, além dos compromissos que as ensejam. 

10.2.13

Carnaval

Como ouvisse que se aproximavam os dias de passar-se autorizadamente pelo que durante o ano menos lhe convinha, decidiu-se pela fantasia de si mesmo. 

Caridade

Era tão altruísta, que só não pedia ajuda pra não dar a outrem a chance de negá-la. 

Problema

O cônjuge aparece como a solução de todos os problemas, indo se despedir como o maior deles. 

Ainda piores

Só uma coisa é capaz de rebaixar ainda mais a imagem dos tele-evangelistas, e é imaginá-los sinceros. 

9.2.13

Al-Hikam

Do Kitab al-Hikam, famosa coleção de aforismos de Ibn Ata’illah al-Iskandari, sufi egípcio do século XIII, aqui a partir de uma tradução para o inglês:
Lança tua existência na terra da obscuridade, porquanto não floresce a semente que germina sem ter sido semeada.

Entre os sinais de um fim bem sucedido está o voltar-se para Deus ainda no início.
O melhor que se pode pedir a Deus é o que Ele nos pede.
Os presentes dos homens são privações. Mas Deus galardoa até quando tira.
Nenhuma ação de uma pessoa generosa é inútil. Nem frutifica a de nenhum avaro.
Se te acompanha alguém pior do que tu, acabas por julgar-te melhor do que és.
Ante Sua justiça, nenhuma falta é mínima. Nem grande, ante Sua misericórdia.
Ele às vezes dá enquanto tira, às vezes tira enquanto dá.

Não fossem as sementes da ambição, não eram tão bastos os ramos da desgraça.

Quando Ele dá a compreender a privação, esta se iguala à fortuna.

Se queres uma glória imperecível, gloria-te no que não perece.

Que seja pequeno o número das coisas que te alegram, para ser ainda menor o das que te entristecem.

6.2.13

Esclarecimento

Não é que o Neymar seja uma fraude. É que ainda lhe falta o hábito de enfrentar zagueiros.

Os três elementos da lírica

A lírica tem por objeto a imitação de estados de ânimo, através de um discurso organizado de maneira especial, e, por finalidade última, determinado conhecimento de verdades humanas universais. Aí estão os três elementos da imitação lírica: objeto, medium e fim. Estes elementos podem ser mal concebidos e mal operados em sua essência. Assim, se o poeta se enganar sobre o objeto, o poema, disposto como lírico, poderá resultar desproporcionalmente “épico” ou “dramático”; se, como unidade, não se tratar de um poema misto, a consequência estética será negativa; se o engano for quanto à natureza do medium ou veículo, haverá insuficiência de expressão; o poema será defeituosamente articulado; se o erro atingir a natureza do fim, em vez de verdades poéticas, teremos o vício do didatismo, ou então a supressão da força cognitiva do literário. Estes erros podem afetar a criação (erros do poeta) ou a leitura (erros do leitor e do crítico). [...] Os elementos do processo lírico podem ser confundidos não em sua essência, mas uns com os outros; se se confundir o medium com o objeto, o poema cairá no puro verbalismo, seja ele acadêmico ou de (pseudo) vanguarda; se o fim for tomado por objeto, o poema, dedicado à pintura de universalidades abstratas, será o oposto da astúcia da mímese, da figuração do universal no e pelo singular; será produto do que se deveria chamar “mímese ingênua”, o pecado que Allen Tate classifica como “angelismo”. Finalmente, o processo de mímese lírica pode ser todo ele confundido com um de seus elementos: é o caso de confusão da lírica com seu objeto; pela extensão da identificação deste com os estados de ânimo a um império generalizado do emotivo, encarado também como fim e veículo da poesia, o poema se diluirá em versalhada sentimental, isenta de energia intelectual, desprovida de qualquer insight sobre a experiência, e (paradoxo apenas aparente) do próprio poder de emocionar. Já Lessing dizia da lírica de Klopstock que era “tão cheia de sentimento, que, ao lê-la, com frequência não se sente nada”. Esta última confusão criada pelo baixo romantismo, e dotada de uma persistência daninha, é a seu modo uma sinédoque, uma pars pro toto: toma-se um elemento do processo lírico pela sua totalidade.

MERQUIOR, José Guilherme. A astúcia da mímese: ensaios sobre lírica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997. p. 28-29.  

5.2.13

Espécie

Compartilhar a mesa com quem já era difícil compartilhar a espécie. 

Preferência

É preferível fracassar com a certeza de que seria ajudado a tê-la finalmente desmentida.

Função

Os noticiários parecem cumprir a função exclusiva de provar que, se por acaso há no mundo coisa pior do que o “Ocidente”, só mesmo tudo quanto o não seja.

Impressão

A impressão é de que a Igreja foi sempre oficialmente contra os abusos com os quais nem por isso não se beneficiou.