30.7.15

O riso

O riso antigo nasce do contraste com modelos existentes (o nobre que não age como os nobres devem agir, o político que não atende aos interesses da classe para a qual os políticos devem governar, os padres que não vivem conforme os padres devem viver etc.). O riso moderno, por sua vez, nasce do contraste com modelos ideias (o burguês que se obstina em não ser gente, o representante de uma ordem política que se deve substituir por uma nova, o sacerdote de uma igreja que já não faz sentido existir...). Daí por que o riso antigo é sempre ferramenta conservadora (Aristófanes, Gregório de Matos: grandes reacionários), enquanto o riso moderno já pode ser (embora nem sempre seja) subversivo. 

27.7.15

Linha

Alguém absolutamente incapaz de uma única linha a não ser sobre outras.

25.7.15

O começo

O que algumas pessoas mais gostariam de saber é quando aqueles que escrevem aforismos vão finalmente começar a escrever. 

Preparação

Não há sucesso que compense a paz da não preparação para o fracasso.

Obra

Se a condenação da violência é obra dos covardes, a do ressentimento é obra dos canalhas.

Propósito

O Brasil não foi feito para ser habitado. O Brasil foi feito para dispor as condições de ser deixado. 

O sentido

What's the point of forgetting
if it's followed by dying?

(Brodsky)

O Segredo

We dance round in a ring and suppose,
But the Secret sits in the middle and knows.

(Robert Frost)

20.7.15

Abuso

O que as crianças muitas vezes fazem quando não querem ter um doce repartido com as demais — não é lá muito diferente o que Joyce faz com o romance: abusa de tal forma dos procedimentos disponíveis, que depois quem teria ainda a coragem de retomá-los? 

A negligência

Há quem gostaria de ter lembrada a negligência com que se ocupou de não acabar esquecido. 

Afastamento

Segundo Lévi-Strauss, as artes (a pintura, a poesia, a escultura, a música) nasceram todas como ritos de cujos propósitos mágicos originais os envolvidos foram com o tempo se afastando até se tornarem apreciadores. 

18.7.15

Provincianismo

Onde quer que se esteja hoje em dia, ouve-se falar na província, em tom de queixa ou autocensura. Nunca esteve mais difundido o medo de ser provinciano. Bem, ele é infundado, pois presume a existência de um centro a respeito do qual seria fácil concordar e cujo papel como árbitro em todas as questões intelectuais seria incontestável. Até agora atribuiu-se esse papel a duas ou três metrópoles europeias. Ele terminou, ou ao menos reduziram-se estas a meros locais de difusão. Falar em província e pensar em interior pode ter funcionado na Alemanha dos anos 20, diante do brilho de Berlim; mas hoje, nem Londres nem Paris têm a última palavra em matéria de juízo crítico. A velha expressão ‘aqui é capital, ali é província’ tinha sentido, tratando-se do próprio país, na época do nacionalismo, pois era em relação a outras regiões do mundo uma sublimação do pensamento imperialista. Na nossa situação histórica [o ensaio é de 1962], na qual até as poderosas forças coesivas das ideologias políticas já não bastam para canonizar uma nova Roma, e na qual nenhum ‘bloco’ mais pode estar seguro de sua estrutura monolítica, a diferença entre província e capital já não se pode ratificar, e falar de provincianismo assume novo sentido. Província é toda parte, porque o centro do mundo não está mais em parte alguma, ou, ao contrário, porque o seu omphalos, em princípio, pode ser presumido em qualquer parte. Nisso a literatura adiantou-se à política: a capital literária do mundo pode ser Dublin ou Alexandria. Fica em Svendborg ou Meudon, em Rutheford ou Meran. Uma ilha próxima à costa sul-americana do Pacífico, uma datscha nas florestas russas, uma cabana de toros num lago canadense não são menos centrais do que os modestos apartamentos em Londres, Paris ou Lisboa aos quais se recolheram autores como Eliot, Beckett ou Pessoa.

(Enzensberger)

6.7.15

Respostas

Estamos aqui dando respostas a perguntas que nunca nos fizeram, e quase totalmente sem a consciência de que, se nos toleram as palavras não solicitadas, é apenas porque estas lhes servem de motivo para as deles.

As pessoas não querem saber a opinião dos outros, e se por acaso a pedem é só pensando na réplica.

Caridade

Há na raiz de toda crítica, mesmo das mais ofensivas, um fundo de piedosa caridade. Quem aponta um erro deseja vê-lo corrigido, e quem já não erra acaba sendo aprovado. Mais maldosa que a pessoa dedicada aos equívocos alheios, mais maldosa que a pessoa cujo prazer é apontar publicamente esses equívocos, é aquela que se cala diante deles porque tira o seu prazer de vê-los repetidos.

Epos

Ulisses não é apenas um dia que são todos os dias na vida de um homem que são todos os homens: é também um romance que são todos os romances, o ponto final do epos ocidental, a última (des)aventura possível a um herói já impossível, após o que tudo é repetição, e repetição ingênua. 

Vazão

A violência é no coração do homem uma fonte de jorro ininterrupto. Os antigos, em reconhecimento desse fato, não fizeram mais do que canalizar sua vazão através de meios institucionais, contentando-se com administrá-la. Foram os modernos, na pretensão reformista de extingui-la por completo, pretensão a cuja ilusão de sucesso não poderiam chegar senão por meio do represamento, que conseguiram fazê-la infiltrar-se por absolutamente tudo, a tudo contaminando. 

5.7.15

Ápices

O Messi tem ápices que nenhum outro jogador em atividade é capaz de alcançar, incluindo ele mesmo.