20.6.16

Inútil

Gostamos de ver na cegueira de Homero, claro que não sem razão, a metáfora de uma visão especial, superior, exclusiva. Mas há quem perceba nela o estigma fundamental do artista, convertido depois em preconceito no fundo jamais superado. Hefesto, outra figura de artífice do antigo mundo grego, também leva consigo a marca da limitação física. Fica parecendo que, para os primeiros homens, só poderiam se dedicar a esse tipo de mister aqueles incapacitados para outros, mais concretamente úteis, como por exemplo a guerra.

Proeza

Não é por acaso que somos absolutamente incapazes de amadurecimento: Adão e Eva, nossos primeiros pais, já nasceram adultos; nunca tiveram de cruzar o árduo caminho que vai da infância à vida adulta, o qual tornaram, com isso, intransponível, já que não nos legaram os meios inatos de fazê-lo. Para piorar, Cristo, o segundo Adão, de quem poderíamos aprender pelo exemplo, se é verdade que nasceu ainda um bebê, só voltou a nos ser apresentado já homem feito. Sobre como conseguiu a proeza de chegar aos 30 sem continuar nos 15, nós jamais saberemos. 

Arte

A arte nos consola do sofrimento na medida em que não o permite passar despercebido. 

Fronteiriço

A Comédia é um poema essencialmente medieval, que no entanto já carrega em si a marca do espírito renascentista, a começar pela orientação de Virgílio. Da mesma forma que o Quixote é um livro dedicado a uma instituição medieval, que presta no entanto o serviço de testemunhar o nascimento do homem moderno e sua crise. Curiosa ambiguidade, esse pertencimento a dois mundos (um que se abre, outro que se fecha), a dupla natureza obsoleta e atual desses livros.