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28.6.22

É isto um homem?, de Primo Levi


A história dos homens é, desde que passaram a deixar registros, uma história feita de violências atrozes, com muita frequência contra velhos, mulheres e crianças. 

A violência faz parte tão grande das relações humanas, que os poucos homens que apareceram falando de paz — um Buda, um Jesus, um Francisco de Assis — nunca mais foram esquecidos pelos povos. 

Se assim é, o que diferenciaria a violência alemã contra os judeus de todas as violências cometidas antes e depois do nazismo? 

Um episódio de Kaputt ajuda a explicar. Conta Malaparte que, ao tomar conhecimento de um massacre a um bairro judeu na cidade romena de Jacy — massacre feito à moda antiga, à velha maneira dos pogroms medievais — um oficial alemão se escandaliza: “Os romenos ainda não são um povo civilizado”. 

Ora, o que distingue a violência alemã é o seu caráter impessoal, burocrático; o alcance desumanizador — e não apenas para a vítima — da sua crueldade asséptica, clínica, industrial, científica. 

Os alemães não foram os primeiros genocidas nem serão os últimos, mas ninguém jamais havia empregado todas as grandes conquistas da Razão e do Progresso a serviço do extermínio.

17.6.22

Malaparte, uma Sherazade dos crimes de guerra


Kaputt
é, a rigor, não um testemunho, tampouco uma denúncia, mas antes a recordação minuciosa das cores, dos sons e dos odores da guerra alemã (céus verdes, sons doces, cheiros gordos). É também uma dolorosa elegia para o velho mundo da guerra de proporções humanas, feita a cavalo, com espada e tiro de espingarda, mundo morto pelos tanques e bombardeios aéreos da guerra mecanizada, tão destruidora. Como um dândi da catástrofe, como um flâneur de campos arrasados de batalha, o interesse de Malaparte num massacre estava sempre menos no sofrimento das vítimas do que no requinte inesperado de um carrasco. Era nessa contraposição muito sutil, sempre irônica, quase ambígua, da hiper-educação com a crueldade mais atroz que residia aquilo que se poderia chamar de crítica: filho de um protestante alemão com uma católica italiana, Kurt Suckert parece ter nascido para a ambiguidade, a ponto de eventualmente trair certa satisfação com aquilo que com sinceridade repudia. Em termos literários, Malaparte é como um Proust (a comparação é ele mesmo quem sugere) que, em vez de reuniões com madames, descreve jantares com criminosos de guerra e que, em lugar de vestidos, relembra com pormenor a destruição.