7.8.22

Teresa Filósofa, anônimo do século XVIII


Assim como os antigos ensinavam por meio de histórias protagonizadas por animais, os libertinos do século XVIII usavam o erotismo para discutir a sociedade. Escreviam livros aparentemente escandalosos, mas que no fundo eram textos didáticos, cheios de palestras filosóficas, sermões racionalistas, catequese iluminista — textos que eram verdadeiros breviários da Nova Moral: o livre-arbítrio é uma ilusão; o ciúme é um preconceito estúpido; o sexo, uma necessidade tão natural como a fome, e várias outras novidades da época, para a boa educação das jovens desinformadas. Mas, ao contrário do radicalismo de Sade, que requeria as últimas consequências revolucionárias do ateísmo, a filosofia aprendida por Teresa, que nem ateísta chega a ser, é bem mais conservadora: o autor faz questão de ressaltar que nenhuma de suas ideias, se bem aplicadas, é capaz de transtornar o bom funcionamento da sociedade.

2.8.22

Causas do apelo juvenil da mitologia nórdica


Ao contrário da mitologia grega, essa coisa vaga e amoral por isso mais do gosto dos velhos, a mitologia nórdica: 1) postula um fim do mundo, e os jovens precisam muito temer e ansiar um fim do mundo, venha ele num Apocalipse cristão ou num Ragnarok viking; 2) o mundo não apenas acabará, mas também recomeçará de novo, dessa vez regenerado: como competir, pela atenção dos jovens, com um céu não cristão?; 3) melhor do que o fim do mundo e a sua regeneração, é a maneira como esse fim se dará: uma guerra final do Bem contra o Mal, e os jovens topam qualquer negócio que lhes dê o sentimento de participar de uma guerra contra o Mal, seja ele que Mal for; por último, mas não menos importante, 4) o sentido fashion dos aesir, cheios de visuais marcantes: realmente não há jovem que resista a um deus caolho, de barba enorme, chapelão, dois corvos sobre os ombros, ladeado por dois lobos, nem a outro que tem um cinturão, uma luva e um martelo mágicos — todos elementos que cumprem perfeitamente os requisitos cinematográficos de um super-herói ao gosto dos americanos, que não por acaso são anglo-saxões e herdeiros desse negócio todo.

O trinitário-tobagense que não gostava de que não gostassem dos ingleses


Naipaul é um observador atencioso e um narrador cheio de qualidades. Mas escreve de um lugar deplorável: o lugar do colonizado (no caso dele, indiano nascido em Trinidad e Tobago, colonizado duplamente) que vai para a Inglaterra e de lá critica todos os que não fazem o mesmo, ainda que apenas intelectualmente, sem a mudança geográfica. Nesse livro de viagens (li com muito interesse a viagem ao Irã, com interesse um pouco menor a viagem ao Paquistão, e cheguei já sem interesse algum à Malásia, onde o deixei), viagens feitas no início dos anos 80, apesar das ótimas notícias que Naipaul oferece da vida nos países visitados e de seus graves dilemas históricos — a revolução islâmica x o ocidentalismo do xá; hindus x muçulmanos; o xiismo duodecimano; etc.) —, a leitura acaba se tornando cansativa à medida que se percebe o mesmo juízo por trás dos episódios: “Eles odeiam a maneira como o Ocidente vive e pensa, mas lutam contra ele com as armas que o próprio Ocidente oferece”. Percebido esse fio, torna-se bem difícil continuar a leitura de mais trezentas páginas de exemplos que ilustram essa constatação.