29.4.12

Providência

Deus só pôde garantir que não alagaria o mundo uma segunda vez porque sabia ser impossível que, duma final entre Vasco e Botafogo, ambos saíssem derrotados.

26.4.12

Coisa

Não há coisa viva mais morta que um gato fundamente adormecido.

Confissão

No futebol, tudo que não é Flamengo tem pés como de barro. 

Mundo

O que varia entre as mulheres é o que compreendem por mundo, ao redor do qual (vá ele até onde for) todas desejam viajar. 

17.4.12

Últimos


Aborto

— Um feto anencéfalo? Ai, credo. Vai que sobrevive.

Confusão

Sonhei que estava num sebo, e que o sebo era minha casa, uma vez que o funcionário que fazia a manutenção da porta de entrada ia deixando meus gatos, que nunca saem, fora dela. Corri a tempo de pô-los para dentro e o adverti. Passado o susto, logo voltei às estantes, que ficavam no que é o quarto, onde não guardo livros. Uma prateleira em particular me consumia a atenção, e era a de poesia. Dessa prateleira, que me dava a sensação de ter tudo quanto sempre quis comprar, com os melhores preços, um livro se destacou, permanecendo até agora na memória. Era um híbrido esquisito de três autores sem qualquer ligação aparente. Tinha o formato que tem meu volume único com os Ensaios de Montaigne, da Pensadores; intitulava-se Seppia, que para mim é parte do nome de um dos livros de Eugênio Montale — Ossi di seppia: sendo sépia, ou siba, conforme descobri ao acordar, um molusco —; e vinha como escrito — o mais estranho — por Keats, que nunca li. De mais não lembro. 

13.4.12

Zumbi

Há uma hora da noite a partir da qual falta a disposição até para dormir. 

12.4.12

Evolução

Modernamente, mais desafiador que escrever aforismos, é dar ao que se escreve um caráter próprio, fugindo à fórmula convencional com um esforço ora mais livre, ora ainda mais específico. Seus melhores autores já não escrevem máximas, simplesmente, ao velho estilo francês. Escrevem aquilo que escrevem, isto é, algo mais ou menos novo, surgido de uma ênfase particular, indefinível às vezes. Razão pela qual, se um Lichtenberg e um Jules Renard nem sequer classificam o que produzem — um preenchia seus cadernos, enquanto o outro redigia seus diários —, nos deixou um Gómez Dávila, mais recentemente, seus escólios, como um Antônio Porchia, suas vozes, e um Gómez de la Serna, suas greguerías

11.4.12

Justo

Eu talvez achasse mais razoável a permissão de aborto para os casos de estupro se a visse acompanhada da necessária castração dos homens envolvidos. Pois, se a mulher não pode se ver obrigada a levar adiante uma gestação provocada, contra sua vontade, por um crime, por que então não haveríamos de cortar (literalmente) o mal pela raiz, impossibilitando ao criminoso a reincidência? Mas, curiosamente, livrar-se de um feto se afigura, hoje, ato muito mais humano que castrar alguém que não mereça, a rigor, menos que a cova.

10.4.12

7.4.12

Pensando alto

Se eu me propusesse a escrever cada vez mais quanto menos fosse lido, acabaria o mais prolífico da terra. 

5.4.12

Pannonica

Baronesa Pannonica de Koenigswarter. Nascida Kathleen Annie Pannonica Rothschild (Pannonica por causa de uma espécie de mariposa descoberta pelo pai na região da Panônia, Europa Central, terra da mãe), mais conhecida, porém, por Nica. Para escândalo da família, depois de abandonar no México o marido, parte rumo à Nova Iorque, onde se torna a grande mecenas do jazz, a grande mecenas, sobretudo, de Thelonious Monk (já um gênio reconhecido antes de sua aparição, mas um gênio até então miserável), com quem mantém uma relação platônica (insiste-se nisso) até o fim da vida.

 

Son(h)o

Nenhum tirano é capaz de aplicar um édito contra os sonhos, muito menos proscrever o sono em seus domínios. [...] Então, entreguemo-nos todos aos sonhos, homens e mulheres, jovens e velhos, ricos e pobres, cidadãos particulares e magistrados, habitantes da cidade ou do campo, artesãos e oradores. Não há ninguém privilegiado, seja pelo sexo, pela idade, pela fortuna ou pela profisssão. O sono oferece-se a todos. 

— Bispo Sinésio de Cirene, século IV.

Sina

Nos jogos do Flamengo, sempre que joga o Daivid, acabamos convencidos de não haver no mundo zagueiro pior, nos esquecendo do Welinton, seu agora reserva imediato. Quando, como ontem, é o Welinton quem joga, mudamos rápido de idéia, logo esquecidos do Daivid.

4.4.12

Outros

Todo patriotismo nos é indecente, salvo o dos outros. Bem ao contrário dos outros, para quem todo patriotismo é indecente, salvo o deles. 

Més que un club

O Barcelona é o que o Duque de Caxias seria se o Zito fosse prefeito da Catalunha. 

3.4.12

Chico

O que não vi dizerem é que Chico Anysio sozinho nos deu mais personagens que toda a literatura brasileira junta.

2.4.12

Millôr

A morte de Millôr me deu a oportunidade de finalmente ler um pouco de seus aforismos, talvez até alguns de seus melhores, confiado que estou na seleção feita e publicada na Veja desse fim de semana. É preciso admitir: há mesmo idéias muito bem sacadas. Mas a meu ver incapazes de compensar a birra infantil contra Machado de Assis (nem a chamá-lo de enrustido Millôr resistiu), numa vontade de iconoclastia tão arbitrária que eu reputo sintoma de qualquer coisa muito digna da minha distância. 

A semana

Uma das coisas que mais lamento no meu protestantismo é a falta de aptidão para calendários litúrgicos. Falta que me faz sentir, nessa época do ano em especial, um peixe fora d’água. Um negligente. Um ímpio. É certo que também celebro a Páscoa, mas, infelizmente, não a vivo passo a passo, dia a dia: a mim só interessa, a bem dizer, a ressurreição e seus efeitos soteriológicos. Enquanto todos acompanham sentidos a entrada em Jerusalém, com suas folhas de palmeira, que faço eu? Nada, além de aguardar o próximo domingo. Mais alguns dias, enquanto um número enorme de pessoas recuará quase de modo físico até o Gólgota, eu decerto estarei, muito biblicamente, alheio a tudo. “Onde está escrito que não se pode comer carne na sexta?”

Em minha defesa, digo que nem sempre foi assim, e que já malhei Judas.