31.5.13

27.5.13

Peretz





















Logo num primeiro contato, é possível notar no precursor de Bashevis Singer uma relação mais ortodoxa com a religião. Comparado a ele, Singer acaba um supersticioso — com aquela espécie de temor do sobrenatural própria de quem o desconhece. Peretz, por sua vez, transuda a piedade de quem sabe a que (a quem) teme — o Deus dos pais. Consequência disso, talvez, é o didatismo, aqui não em sentido necessariamente pejorativo. Tiram-se lições dos contos de Peretz. Sai-se deles edificado. Coisa a que os de Singer nem sempre se propõem.

Mas ainda mais significativa é a distinção nós-eles. Em Peretz, o outro está sempre em vista: trata dos judeus (os justos), mas sempre em oposição aos gentios (cristãos cruéis e opressores). Quando em Singer, possivelmente por conta da vida na América, a preocupação é mais genericamente humana. Mesmo quando escreve sobre circunstâncias só possíveis a judeus, ou, ainda mais especificamente, a certo tipo de judeus, Singer não o faz como se tratasse de uma minoria. Não parece haver, para quem o lê, outro mundo senão o das aldeias. Ou que elas o resumem. 

Critério

Se a Natureza fosse tão criteriosa na hora da concepção quanto se pode ser na da adoção...

Rehab

Uma ofensa da direita valoriza até o que havia infamado um elogio da esquerda. 

26.5.13

Modelo

É preciso ir contra a corrente, — como a lacraia que sobe pelo ralo do chuveiro. 

Pendor

De um lado, razões e mais razões de por que este ou aquele autor não prestam. De outro, mera lista de autores preferidos.

24.5.13

Resultado

Uma mulher é violentada no Central Park. A polícia, muito eficiente, faz bem o seu trabalho e logo apresenta 5 suspeitos. Por acaso todos pretos. Consegue, sabe-se lá como, de cada um deles um vídeo em que se confessam culpados e explicam como procederam. Os depoimentos são contraditórios entre si, mas concordam na mais importante das coisas: foram eles. Enquanto isso, os peritos avançam nas análises investigativas. O DNA que encontram no corpo da vítima, que sobreviveu, não é de nenhum deles, além de outras incompatibilidades. Todas irrelevantes, uma vez que existem os vídeos. Fica decidido: devem ir a julgamento, que se transforma em circo. Alegam-se, todo o tempo, inocentes. Que não há provas contra eles. Que foram coagidos. Que confessaram sob pressão. Apesar dos esforços, a defesa, prevendo o desfecho, fala em acordo. Os réus se negam: são inocentes. Não querem acordo: ou tudo ou nada. O resultado: todos condenados a — em média — 10 anos de prisão num reformatório de segurança máxima — eram adolescentes. À saída, o povo aplaude a promotoria, aliviado. Estavam a salvo.

Treze anos mais tarde, dá entrada na mesma prisão que um deles um malandro dizendo à boca pequena que conhecia quem estivesse ali por um crime que não havia cometido. O culpado, na verdade, era ele. Os boatos correm. A direção do presídio o chama. Ele esclarece: foi ele quem estuprou a tal mulher do Central Park, treze anos antes. Reabrem-se os arquivos. As histórias batem. O DNA, por fim, encerra a questão: prenderam as pessoas erradas. Os advogados dos (então) jovens pleiteiam o cancelamento da sentença. A justiça acede, prontamente. E não é que não era?... Mals aê.

22.5.13

Submundo

Sempre se forja, para épocas de transição, um dado arsenal argumentativo contra ideias fundamentais que depois passam (via consenso curricular) por liquidadas sem terem, no entanto, se extinguido. O resultado é que, pelas gerações seguintes, por já ninguém acreditar na necessidade de armamento contra o que se supõe morto e enterrado — os filhos começam de onde os pais terminam —, aparece desde o submundo a herdada teimosia de uns quantos retardatários que, vendo a inabilidade dos contemporâneos na luta contra os zumbis conceituais que ostentam — não são muitos os que desamam tanto a vida a ponto de se tornarem eruditos —, acham-se ainda, só por isso, no dever de vangloriar-se. 

10.5.13

Aparência

É até possível desamar as riquezas que se herdam e (por inércia) se conservam; jamais porém as que se buscam. 

7.5.13

Carma

Que selvagens monstruosos não teremos sido, para reencarnarmos logo no Brasil?

Desacordo

Enquanto uns combatem as coisas como elas são, outros as defendem pelo que foram ou deveriam ser. 

4.5.13

Leitura crítica

O sujeito lê nas Escrituras: “Abre tua boca em favor dos mudos”, e, considerando a difusão da língua de sinais, pensa de imediato em defasagem.

Imprevisto

Os reformadores, se puderam sonhar com uma Bíblia na mão de cada crente, foi porque ainda não havia o Brasil nem os brasileiros.  

3.5.13

Ambição

A ambição de quem lê é ver-se explicado pelo autor. A de quem escreve, pelo leitor.

Kaputt

























Umas cinquenta páginas de Kaputt, de Curzio Malaparte — um Marcel Proust para homens, diria um Graciliano —, e o sujeito que se comove com uma égua morta e com o metal retorcido das máquinas de guerra deixadas pelo caminho, é o que menciona com frieza, se não com indiferença, pelo que passam os judeus, mais preocupado com esquadrinhar as motivações alemãs que com lamentá-las. 

Solução

Boa parte dos meus problemas eu resolvo fugindo de quem mos lembra. 

1.5.13

Troféu

Os de direita sempre viram no Caetano um desmiolado, desses cuja opinião não se leva em conta, representante máximo daquilo que gostam da chamar pseudointelectualidade. Jamais lhe admitiram qualquer mérito, tomando antes seu prestígio como prova de insalubridade nacional. Até que de repente aquele mesmo Caetano — parceiro do ainda mais desconexo Gilberto Gil, autor de velhas e novas letras sem pé nem cabeça, dono de preferências literárias das mais duvidosas e juízos invariavelmente enviesados —, se apresenta, nessa ou naquela questão, quase como um deles. Que fazem, então, os detratores, para quem nunca foi mais que motivo de piada? Enrubescem? — Brandem-no como troféu.