17.9.12

Nefelibatismo

Apesar das exceções — pois, com alguma frequência, e uma frequência maior até do que a conveniente, veem-se por aqui pobres olímpicos (cujo nosso maior representante talvez seja o grande Cruz e Souza, filho de escravos que amargou durante a vida a mais tísica das pobrezas nacionais enquanto meditava sob o tédio nebuloso de um parisiense) e ricos que, conquanto sem abrir mão das possibilidades familiares, se revoltam consternados contra as circunstâncias que as proporcionaram, cheios de culpa — a tendência é cada um nutrir pelo mundo a indiferença que permita a renda paterna. É muito natural que, não havendo que se preocupar com o dia de amanhã, existindo para resolvê-lo algo chamado herança, alguns acabem disponíveis para a maior inutilidade ao alcance de seus intelectos. Seja a que for que se dediquem, o cuidado estará sempre no sentido de não se imiscuírem. E mesmo quando pretendam alguma espécie de contribuição, tratarão de empenhar-se por uma que, muito escrupulosamente, não contribua para nada. Majestaticamente. Já outros, à margem oposta daqueles, negociando o almoço para garantir a janta, não perderão a chance, mesmo que diminutíssima, de interferir no rumo das coisas, visando sempre a uma mudança que lhes melhore coletivamente a situação, sempre precária.