6.2.13

Os três elementos da lírica

A lírica tem por objeto a imitação de estados de ânimo, através de um discurso organizado de maneira especial, e, por finalidade última, determinado conhecimento de verdades humanas universais. Aí estão os três elementos da imitação lírica: objeto, medium e fim. Estes elementos podem ser mal concebidos e mal operados em sua essência. Assim, se o poeta se enganar sobre o objeto, o poema, disposto como lírico, poderá resultar desproporcionalmente “épico” ou “dramático”; se, como unidade, não se tratar de um poema misto, a consequência estética será negativa; se o engano for quanto à natureza do medium ou veículo, haverá insuficiência de expressão; o poema será defeituosamente articulado; se o erro atingir a natureza do fim, em vez de verdades poéticas, teremos o vício do didatismo, ou então a supressão da força cognitiva do literário. Estes erros podem afetar a criação (erros do poeta) ou a leitura (erros do leitor e do crítico). [...] Os elementos do processo lírico podem ser confundidos não em sua essência, mas uns com os outros; se se confundir o medium com o objeto, o poema cairá no puro verbalismo, seja ele acadêmico ou de (pseudo) vanguarda; se o fim for tomado por objeto, o poema, dedicado à pintura de universalidades abstratas, será o oposto da astúcia da mímese, da figuração do universal no e pelo singular; será produto do que se deveria chamar “mímese ingênua”, o pecado que Allen Tate classifica como “angelismo”. Finalmente, o processo de mímese lírica pode ser todo ele confundido com um de seus elementos: é o caso de confusão da lírica com seu objeto; pela extensão da identificação deste com os estados de ânimo a um império generalizado do emotivo, encarado também como fim e veículo da poesia, o poema se diluirá em versalhada sentimental, isenta de energia intelectual, desprovida de qualquer insight sobre a experiência, e (paradoxo apenas aparente) do próprio poder de emocionar. Já Lessing dizia da lírica de Klopstock que era “tão cheia de sentimento, que, ao lê-la, com frequência não se sente nada”. Esta última confusão criada pelo baixo romantismo, e dotada de uma persistência daninha, é a seu modo uma sinédoque, uma pars pro toto: toma-se um elemento do processo lírico pela sua totalidade.

MERQUIOR, José Guilherme. A astúcia da mímese: ensaios sobre lírica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997. p. 28-29.