3.6.13

Realidade

A Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, e Os Lusíadas, de Camões — dois textos dos mais importantes para a narrativa em língua portuguesa, no mais tão afeita, nas origens, à mera crônica — guardam de comum o terem nascido sob o signo da aventura. O primeiro dá conta das “muitas e muito estranhas coisas” vistas e ouvidas pelo autor durante suas viagens ao Oriente; o segundo — escrito também por um viajante —, dos feitos do Gama por “mares nunca dantes navegados”, bem como da memória dos reis que “dilataram a fé e o império”. E o que os demais tiveram de inventar (“vãs façanhas,/ Fantásticas, fingidas, mentirosas”), protagonizaram os portugueses: “As verdadeiras [façanhas] vossas são tamanhas,/ Que excedem as sonhadas, fabulosas,/ Que excedem Rodamonte e o vão Rugeiro/ E Orlando, inda que fora verdadeiro”. Uma realidade mais rica, a portuguesa, que a ficção de outros povos... Com o tempo, porém, eles decaem, se imobilizam e perdem a prerrogativa. Ficam sem assunto. Ainda só lhes interessa — tanto quanto a nós, seus herdeiros — a vida, agora besta como não sei o quê.