29.7.13

Mão dupla

A comparação de Albert Camus entre Melville e Kafka, feita num ensaio de 1952 dedicado ao primeiro e reunido em português em A inteligência e o cadafalso, resume incrivelmente bem qual sempre foi minha principal objeção a Jorge Luis Borges, muito embora eu nem soubesse formulá-la. Carapuça que lhe serve nem um pouco por acaso, uma vez que é de conhecimento geral a admiração do argentino pelo que chamava a intemporalidade da obra kafkiana, melhor dizendo, sua autonomia artística frente à história — o fato de não ser possível apontar, por evidência interna, o lugar e a época de seu autor —, algo que para ele era um ideal a ser buscado. Na contramão um do outro, Borges elogia o efeito cuja causa Camus reprova, ficando eu com este último. Outra oportuna coincidência é o francês apontar para os “maiores”, contra uma estética esposada por Borges, cultor confesso de nomes secundários. Os grifos são meus.
Como os maiores artistas, Melville construiu seus símbolos sobre o concreto, e não sobre a matéria do sonho. O criador de mitos só atinge a genialidade na medida em que os inscreve na espessura da realidade, e não nas nuvens fugidias da imaginação. A realidade que Kafka descreve é suscitada pelo símbolo, o fato deriva da imagem; em Melville, o símbolo sai da realidade, a imagem nasce da percepção